Capítulo 4

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Como maestro comandando uma sinfonia macabra, fiz os homens despirem-se completamente. As roupas limpas misturavam-se a terra batida e as poucas folhas que perdiam a companhia das copas. Enquanto um chupava um pênis, recebia uma dedada do vizinho ao lado, que estava com o troco flexionado para frente, sendo penetrado por um homem barrigudo. Poderia fazer uma fila, e conectar todos aqueles organismos, tornando-os único, e novo. Criador e criatura, como nos filmes de terror. Os dois que brincavam no início da mata, ao perceberem a orgia que se desenrolava entre nós, trataram de se aproximar. A curiosidade, como sempre, matou os gatos. O círculo de dominação logo os englobou. Não mais sabiam o que eram. Perdiam suas identidades, e tornavam-se pornografia para a minha masturbação. Eu não tocaria naquela roda. Quem sabe as doenças que corriam entre eles. Meu orgasmo rompeu a corrente que os unia. Deixei-os desamparados, perdidos, pegos com o pênis ereto copulando um ânus desconhecido. Alguns, tomados de náusea, caíram ao chão. Outros, tomados de fúria, avançaram para cima do parceiro sexual. Certamente culpariam algum psicotrópico pelo ocorrido.

Terapia para evitar a infecção pelo pior dos vírus existia. Eles que exercessem sua cidadania e procurassem um serviço de saúde. Ganhava o carro quando me senti responsável pelo destino daqueles corpos. Implantei em suas mentes a necessidade de ajuda médica e saí mais satisfeito. Talvez não fosse um vilão de poucas camadas, afinal.

No caminho de casa, decidi parar no shopping. Deixei o carro em uma rua paralela, evitando assim o preço abusivo do estacionamento. Andar pelas lojas não era ruim. Ainda que tivesse de evitar muitas deles. O capitalismo era o grande monstro, e alguém precisava combatê-lo. Esta pessoa, obviamente, não seria eu. Do capitalismo tiraria proveito, bem como de quem com ele lucrava. Nas lojas pagava o preço que imaginava ser justo por uma peça. Nessa, demitiam-se os funcionários, e o patrão continuava lucrando. Entrei na livraria, o livro desejado apresentava nova edição, com o pôster do filme como capa. O que antes custaria trinta e poucos reais, agora passava dos quarenta. Tive de intervir na cabeça da funcionária do caixa. Um desconto inexistente, tornou-se possível. E a mulher caiu em uma enrascada. Como consolo, pensei que ainda existiria lucro. O que são pequenos golpes como estes para a grande máquina de dinheiro? As peças são descartáveis, e a vida continua para as novas que assumem seu lugar.

Sou meramente um catalisador de mudanças. Tanta explicação convencia meus miolos dos meus atos. Desci para o banheiro onde ocorria sexo entre homens. Dois supostos interessados aguardavam nos mictórios. Um homem velho, de óculos fundo e barriga sobrando implorava por atenção. Não me surpreenderia se ele estivesse ali há horas, aguardando pela boa alma que lhe daria de mamar. O outro homossexual encontrava-se no extremo oposto. Sentia-se gostoso demais para o pobre homem. Aguardava um gay a sua altura. Sua mente frágil foi fácil de ser acessada. Ainda com o pênis mole de fora, ele saiu do seu mictório e se aproximou do homem de óculos. Ambos adentraram uma das cabines, e a solidariedade ocorreu sem barreiras. Aguardei enquanto se lambuzavam. O gordinho logo saiu do banheiro, transbordava satisfação. Sua necessidade por sexo era evidente e asquerosa. O gay mais novo, no entanto, permaneceu trancado na cabine. Estaria em choque ou aos prantos? Não soube dizer, não mais acessava sua mente.

Saí do shopping e encontrei uma multa no para-brisa do carro. A faixa amarela estendia-se ao infinito. Todos os demais carros contavam com o pequeno pedaço de papel. Tentei achar o guarda, mas não obtive sucesso. Maldito estado e maldito capitalismo! Fui tentar economizar, e paguei um preço ainda maior. A sensação de injustiça me tomou. Rumei em direção a delegacia, parei em frente, entrei em um policial, e o fiz atirar em todos os pneus das viaturas que ali estavam estacionadas. O gasto deveria compensar o meu. Ou não. 

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