16 - ... e um espírito valente

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     Os ossos de Guido pareciam ter transformado-se em gelo. Suas pernas fraquejaram e ele caiu de joelhos no chão, sem conseguir desviar o olhar da figura intimidadora do mago War. O mago parecia um homem comum à primeira vista, mas emanava uma aura de opressão e tirania que sobrepujava qualquer um e ninguém era capaz de resistir. Tinha cabelos escuros e olhos tão brilhantes que pareciam ter luz própria. Era bem apessoado, mas mau. Tudo nele gritava o quanto era mau. Silvie parecia insana com sua chegada. Arrastava-se na direção de Guido com gana e agonia, incapaz de chegar a ele de fato, pois a terra ainda tremia. Estava realmente desesperada e fora de si.

     As palavras de War ecoavam na mente de Guido como se o mago ainda as estivesse repetindo incessantemente. Palavras carregadas de interesses e intenções que o garoto sabia que não eram boas. Sentia que não eram.

     Será este o som do mais puro dos corações?

     - War! - exclamou Silvie, erguendo-se com dificuldade.

     Seu grito atraiu a atenção do mago, que voltou-se em sua direção. A expressão no rosto de War, antes curiosa e intrigada, transformou-se em uma carranca que provocou arrepios em Guido. Aqueles olhos não eram brincadeira - eram os olhos mais amedrontadores que já existiram.

     - Ellaria - o mago disse entre dentes. Desprezo emanava de sua voz grave. - Finalmente retornou para mim.

     Guido olhou para Silvie e depois de volta para War.

     Ellaria?

     Apesar do momento de séria tensão, o cérebro de Guido começou a juntas as pontas soltas até que formassem uma conclusão que estivera o tempo todo bem diante de seus olhos e a que ele devia ter chegado há muito tempo. Estivera com Silvie durante os últimos dias e ouvira as criaturas chamando-a de princesa mais de uma vez. Novamente, Guido não prestara devida atenção nas pistas que recebia e não atentava-se ao óbvio. Ellaria. Princesa Ellaria. Ela era uma lenda - a maior lenda já contada a respeito de uma vítima do Bosque de Antazes. Todos no reino conheciam a história da princesa fugitiva que, sedenda pela liberdade fora dos muros do palácio, decidira aventurar-se nos domínios do mal e nunca mais foi vista. Seu pai, o rei, invadiu o bosque para resgatá-la, mas a única coisa que encontrou foi o próprio fim. Quem assumiu o trono depois da tragédia foi o irmão mais novo da princesa e sua linhagem governava Totten há cem anos. A princesa nunca fora esquecida e seu rosto estampava as moedas de ouro do reino. Guido pensou que, se tivesse olhado para uma moeda de ouro por tempo suficiente, talvez tivesse reconhecido Silvie e descoberto bem antes quem ela realmente era.

     - Sim - Silvie respondeu ao mago, corajosamente -, estou aqui. Estou de volta.

     O chão parou de tremer com apenas um gesto de cabeça de War. Ele sorriu com perversidade para a garota-raposa. Lulu Lian voou de seu ombro e empoleirou-se sobre um grande baú de madeira, próxima ao lobo.

     - Eu sabia que era só uma questão de tempo - disse War, jocoso.

     A expressão no rosto de Silvie era feroz.

     - Agora que me tem de volta, deixe o garoto partir.

     Guido sentiu seu corpo todo enrijecer e olhou para a amiga. Silvie, contudo, mantinha seus olhos fixos no rosto do mago, que cruzou as mãos atrás do corpo e estufou o peito. Seu sorriso infame tornou-se mais largo. 

     - Às vezes eu me esqueço de que você costumava ser uma princesa, Ellaria - War começou a andar ao redor de Silvie e Guido. - Mas você não esquece nunca, não é mesmo? Continua altiva... - ele ergueu uma das mãos e, de repente, Silvie caiu de costas no chão e começou a gritar - arrogante - os gritos se intensificaram - e insubordinada. Mesmo depois de cem anos...

A Raposa [VENCEDOR 'THE WATTYS 2018']Onde as histórias ganham vida. Descobre agora