Capítulo Cinquenta e Dois - "Você causa dor"

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William




Ele estava pálido, os olhos agora grandes em seu rosto. A cabeça desproporcional em cima de um corpo desnutrido e a voz era rouca, ofegante.


Era assim que se encontrava Martin.


Além de não mover o corpo, lutava constantemente contra uma infecção nos pulmões. Era visível que doença levava o pouco de vida que ainda restava nele.


- Eu vou morrer e nem conheci a mãe dos meus filhos - ele disse, com um fraco sorriso no rosto. - Não haverá pequenos Martin correndo por aí.


- Você não vai morrer! - falei enquanto segurava sua mão.


Eu sabia que era um gesto que ele não sentia.


- Não minta, Will. Eu já aceitei meu destino.


- Você fala como se estivesse se entregando. Você tem que lutar, Martin. Seus pais precisam de você, sua irmã... Eu preciso. É como um irmão pra mim.


- Eles ficarão bem. Eu sei que você cuidará deles por mim e por isso, estou tranquilo. E também, vai chegar um dia que você terá sua família, Will. Não se sentirá sozinho. Eu vou torcer por você, onde quer que eu esteja.


- Ainda fantasiando isso? Eu não quero casar ou ter filhos. Sou como um pássaro livre, Martin. Não preciso dessas coisas para seguir em frente.


- Livre? Você só poderia ser um pássaro livre, se voasse, mas, você sempre está machucado. Já viu pássaro machucado voar, Will? Ele fica preso na sua própria dor e morre. Não há um pingo de liberdade em você. E eu sinto muito por isso. Eu queria poder ajudá-lo. Todos esses anos e você não saiu de dentro do passado.


Martin sabia da minha história. A avó dele que morava no meu antigo bairro havia contado, meses antes dela morrer. Me lembro que a primeira vez que ele tocou no assunto, eu quis quebrar a cara dele, no entanto, ele era como o Thom: Sabia dizer as coisas certas, mesmo quando não concordávamos ou não queríamos ouvir.


- Não posso evitar.


- Shakespeare disse que lamentar uma dor passada, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente. Ele estava certo. Vejo isso em você.


"Maldito Shakespeare".


Martin tossiu e pediu um pouco de água. Uma enfermeira mediu sua temperatura e informou o começo de uma febre.


- Estou tão cansado, Will. Não vejo a hora de isso acabar. Não quero viver e ser o sofrimento dos meus pais. Eu só quero que isso acabe.


- Sinto muito, Martin. Eu doaria algo de mim, se isso fizesse você ficar bem.


- Eu sei... Eu sei. Agora vá. Eu preciso dormir e descansar. Eu só quero descansar. O sono é a melhor coisa que me aconteceu depois daquele acidente.


- Então descanse.


- Will... Haverá um dia... - ele disse com a voz fraca e ofegante - que você encontrará alguém. E ela vai ser a cura para todos os seus machucados e nesse dia, meu amigo... Você poderá ser livre.


Ele fechou os olhos e dormiu. Na verdade, depois daquele dia, Martin dormiu por mais algumas vezes e nunca mais acordou... Pelo menos, não aqui.



***



"Sim, eu encontrei e vou deixá-la ir."


Eu a vi sendo lançada para longe. Bem longe de mim e eu fui o responsável.


Eu fiquei imóvel enquanto Cielo gritava e outras pessoas a socorriam. Johnson gritava "sua culpa" e ele estava certo.


Eu corri e passei por entre as pessoas que estavam próximas a ela. E então, me sentei no chão para olhá-la. Meu coração se apertou ao vê-la. O nariz sangrando pelo golpe que eu havia lhe dado e a cabeça com um ferimento exposto. Olhei mais um pouco e vi um de seus dedos, quebrados e me senti tão infeliz.

UM PONTO DE PARTIDAWhere stories live. Discover now