Part 3

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Eis aqui a minha participação...

Alguns poderiam chamar minhas artimanhas de ardis. Até mesmo cruéis. Mas não de ineficazes. Quanto menos estamos propensos às mudanças da vida, mais elas se operam de maneiras inusitadas.

Achei necessário que a dor demonstrasse para Mérida que o amor não poderia ou deveria ser vivido somente em família.

Quando o criador nos trouxe à vida, tinha a perspectiva de que os pais morreriam e os filhos ficariam sós. E por isso, constitui-se uma nova família, tendo novamente laços que serão quebrados com a morte.

Eu usar de algo tão trivial como a morte não lhe deveria ser tão assustador ou mórbido. Mas para Mérida, a culpa sobre a causa de uma doença que poderia levar a esse fim, faria com que ela agisse conforme os meus anseios.

Consigo imaginar sua cara de espanto. Mas creio que em nada mudará uma realidade recorrente. E por isso, mostrarei para vocês o quanto algumas atitudes drásticas são os únicos gatilhos capazes de tirar você de sua zona de conforto.

Para que possam confiar em mim, preciso ser sincero: esse não era o único meio de operar mudanças, mas, sem dúvida, o mais divertido de se observar.

O momento da dor...

Olhava para o corredor da clínica, repleto de cadeiras e pessoas esperando, tanto suas sentenças de morte, quanto aquela dose de esperança que faria com que cada um deles lutasse ainda mais.

Passamos as últimas semanas entre exames, primeira, segunda e terceira opiniões sobre um dano que causei à pessoa que eu mais amava. A cada vez que a dona Elinor me pedia para acompanhá-la em uma nova consulta, com um médico cada vez mais caro, eu me perguntava como conseguiria esconder esses gastos por mais tempo.

Se eu tirasse dinheiro da empresa, deveria justificar o motivo pelo qual só as nossas retiradas periódicas não seriam suficientes. Se eu fosse lutar, teria que colocar alguém no meu lugar no cuidado com a minha mãe.

Eu estava desesperada. Literalmente com a cabeça abaixo de uma maçã, e um arco apontado em minha direção. A única diferença é que o arqueiro não era lá tão qualificado.

Ergui minha cabeça para a porta da sala 10 do enorme consultório de neurocirurgiões, no centro de São Paulo. O hospital era referência, e o médico ainda mais recomendado.

Minha mãe tinha passado por tantos médicos, e todos eles diziam que o problema era o mesmo: um coágulo de sangue havia se formado em seu cérebro e precisava ser removido cirurgicamente.

A cirurgia custava em média cem mil reais, e a empresa, passando por tamanha crise, não poderia custear. Poderia pedir um empréstimo, vender nossos bens, fazer o diabo a quatro, mas a teimosia da minha mãe de que não queria que ninguém soubesse de sua doença, dificultava qualquer decisão que pudesse tomar.

— Elinor DunBroch — chamou um homem que surgia da porta recém-aberta, que eu olhava como se fosse uma tábua de salvação para os meus problemas.

Minha mãe se levantou titubeante da cadeira ao lado, pegando sua bolsa, e o envelope contendo todos os exames. Ergui-me de forma automática, pois essa seria a nossa última tentativa em descobrir que todos os diagnósticos anteriores estavam errados.

Eu acreditava que ela continuava insistindo que eu não tinha causado sua doença, e procurava sempre um novo médico que lhe desse uma opinião diferente dos anteriores, por medo que a minha culpa fizesse com que mais uma de nós sucumbisse.

IndomávelWhere stories live. Discover now