04. interlúdio

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— Tá, tá. Não quero saber disso, porra — disse Nando, cruzando as pernas como um índio e encarando Érico por trás dos óculos escuros de marca. — Quero saber dos... dos finalmentes, tchê!

Na manhã ensolarada, jogados no gramado que se estendia diante do prédio da biblioteca, os três aproveitavam o intervalo da melhor maneira que podiam: observando quem passava e recebendo um pouquinho de sol antes de voltarem à aula de Religião, onde o Irmão Aldo, um senhorzinho de 82 anos, discorria em sua voz grave e monótona sobre o papel da generosidade e da fé na sociedade. Ah, os prazeres de uma universidade católica...

Mosca riu quando Érico bufou, arrancando um tufo de grama perto dos tênis. De onde estava, ele enxergava direitinho os contornos da cafeteria chique onde havia se encontrado com Isabel na tarde passada. O sentimento esquisito se aproximou, porém Érico foi rápido em suprimi-lo.

— Não teve finalmente, meu — retrucou ele, desviando o rosto, corado, para o outro lado. — Foi a primeira vez que a gente saiu.

— E? — insistiu Nando, levantando as sobrancelhas por cima dos óculos aviador. — Isso aí tá com cara de desculpa.

— Pois é — ajuntou Mosca, rindo. — E o pior é que a gente nem viu os dois pombinhos trocando umas bitocas. Foi o dinheiro mais mal investido da minha vida, meu.

Nando riu. Érico fechou a cara, abraçando os joelhos. Por que os amigos precisavam ser tão idiotas?

Quando o encontro com Isabel terminara, ele dera graças aos céus por nenhum dos dois ter aparecido para espionar. Principalmente porque, ao final daquela reunião esquisita, ele fizera menção de abraçar Isabel para selar a nova aliança, mas desistira da ideia quando ela apertou os olhos como se ele fosse louco.

— Não teve bitoca — resmungou Érico. — Parem com isso.

— Oi? — perguntou Nando, tirando os óculos como se fosse uma personagem de novela. — Como assim, cara? Nenhum... nenhum beijinho?

— O que vocês esperavam, porra? — Érico fechou ainda mais a cara. — Que eu saísse casado com ela?

— Não, mas sei lá — disse Nando, desconfiado. — Se tu saiu com a magrona e não deu uns beijos nela.... vocês dois ficaram fazendo o quê?

Tramando pra tirar mais dinheiro de vocês, pensou Érico, mas não disse. Ainda estava longe de reunir o dinheiro necessário para comprar o colar, e não queria arriscar. Como diz o provérbio chinês, o que os olhos não veem, a carteira não sente.

— A gente ficou... a gente ficou conversando, ué — disse Érico.

Nem ele acreditou naquilo. Mosca riu.

— Ela não parece ser muito... comunicativa.

— Ela é — retrucou Érico. — É só alguém parar pra ouvir.

Os dois ficaram em silêncio. Uma brisa agitou as árvores, colorindo a grama com pequenas flores amarelas. Apesar da manhã incrível, do sol e das árvores coloridas da primavera, Érico quis voltar à aula insuportável do Irmão Aldo só para não ter de aturar a encarada silenciosa dos amigos, e quis, mais do que tudo, espirrar. Não necessariamente nesta ordem.

— Tenho de admitir que essa foi a tua melhor piada de surdo até agora — confessou Mosca, rindo. Érico revirou os olhos. — Mas a pergunta que não quer calar é: E os beijinhos?

— Não vai ter beijinho, porra. Nem vou mais sair com ela.

— Como assim, tchê? — questionou Nando. Seu tom era ofendido, ultrajado pela negativa logo tão cedo. Exatamente como Isabel havia previsto. — Tu vai desistir assim?

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