07. la campanella, a maldita

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Quando Érico encontrou os amigos jogados no gramado da Gastronomia, foi recebido por olhares que pareciam anunciar o final do mundo. De pé na grama, ele franziu o cenho para a figura gigante de Nando e o perfil magricelo de Mosca. No ar, além do cheiro das flores e das árvores, o odor de uma fofoca boa pairava na brisa modorrenta da primavera.

— Qual foi? — perguntou Érico, ajeitando a alça da mochila no ombro.

— "Qual foi?" — rebateu Nando, tirando os óculos escuros daquela maneira teatral que lhe caía tão bem. — Meu, tu sumiu na quarta-feira e perdeu a melhor merda que já aconteceu nessa faculdade. Onde diabos tu se enfiou, tchê?

Após a noite agitada na terça-feira, Érico ficou acordado até tarde pensando em Isabel. A mãe e o padrasto ressonavam no quarto ao lado e, enquanto a casa era apenas silêncio e escuridão, Érico ficou de cuecas no quarto, revivendo a explosão de sentimentos que era Isabel ao piano. Rolou a noite inteira na cama, a memória fixa na curva alegre do sorriso dela, na mecha de cabelo castanho que caía por seu rosto, comparando a Isabel apática que atendia no bar do Direito com a Isabel artista que tocava piano no São Ralph. Como era possível uma pessoa ser tantas outras diferentes? Quantos universos existiam dentro do mesmo alguém? Sem resposta para as questões filosóficas, Érico pegou no sono e só acordou no outro dia, ainda meio grogue e sem saber direito onde estava, e decidiu faltar à aula. E ao Laboratório de Gastronomia. Naquele dia, não queria ver ninguém, e foi o que fez.

Ele franziu o cenho para o amigo, que certamente estaria fazendo drama — o que não se configuraria, exatamente, numa novidade — e pousou o olhar em Mosca. O amigo orelhudo sorriu com o canto dos lábios. Nervoso, Érico sentou-se ao lado deles na grama, deixando a mochila de lado.

— O que aconteceu?

— Bem, se alguém tivesse se dado ao trabalho de ler as mensagens do grupo... — começou Nando.

— Eram mais de 1450 mensagens só de vocês dois. O que rolou?

Érico havia visualizado as mensagens naquela manhã sem graça de quinta, no ônibus, mas estava sem saco para repassar cada detalhe do papo dos dois. Quando os amigos queriam falar abobrinhas no grupo, a coisa desandava numa velocidade alucinante.

— Olha, tu sabe que eu odeio drama — começou Mosca —, mas dessa vez o Nando tá certo. A merda que estourou...

Ele riu, balançando a cabeça. Érico franziu o cenho. Mosca abriu a boca para contar o ocorrido, mas Nando foi mais rápido. Como se fosse uma pré-adolescente sedenta por repassar a fofoca mais bombástica do ano, Nando sorriu animado e explodiu a notícia:

— Pegaram o professor de Literatura Inglesa, aquele que comia um monte de guria, num vídeo!

Além de professor, Carlos Braga Mendonça era o novo escritor da moda no Brasil. Ele vivia aparecendo na televisão com aquela camisa apertada demais para o próprio bem e uns sorrisos meio esquisitos, como se soubesse dos segredos sujos de todo mundo. Érico sabia de algumas histórias do tal professor com as alunas, mas no momento só conseguia se lembrar do cara sentado na mesa do bar do Direito, corrigindo provas e tomando um cappuccino batizado com o cuspe de Isabel.

Pelo visto a justiça de Nádia chegara mais cedo do que ela previra.

— Tá, mas que ele comia um monte de guria todo mundo já sabia — disse Érico. — E duvido que um vídeo do cara comendo uma aluna dê algum problema pra ele. Só pra guria que deve ter sido meio barra pesada.

Não havia como negar que a sociedade era uma bosta. O professor possivelmente sairia de garanhão da história e manteria o emprego, enquanto a menina sofreria alguma consequência que, no momento, Érico não conseguia imaginar. Mas Nando deu uma risadinha de velha. Mosca sorriu.

Entre Muffins e Apostas | ✓Where stories live. Discover now