10. a importância de ser honesto

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1 MÊS DEPOIS

Érico olhou feio para o fervedor de leite da máquina de café. Já era a segunda vez, desde que começara a trabalhar, que a tal geringonça inventava de queimar seus dedos. No silêncio gostoso da cafeteria vazia, naquele final de novembro ensolarado, ele limpou a bancada e enfiou o dedo indicador queimado na boca.

Trabalhava há três semanas como barista aprendiz na cafeteria da Odonto, e há duas semanas vivia em pé de guerra com a maldita máquina. Durante a primeira semana, a Dona Paula, proprietária do lugar, fora uma professora excepcional com um aluno que mal beirava o mediano. Apesar de viver aos tapas e beijos com a máquina de café, em uma semana veria o resultado daquela relação tão conturbada: seu primeiro salário.

Por ser um trabalho de meio período, Érico não ganhava muito. As aulas pela manhã consumiam seu tempo, porém a Dona Paula aceitou que ele trabalhasse apenas à tarde, o que reduzia bastante o salário oferecido. Deixar o Laboratório de Gastronomia também fora necessário, entretanto, nada disso importava. A cada semana finalizada, Érico sentia-se mais próximo do objetivo inicial de poupar, todo mês um pouquinho, para comprar o tal colar da Dona Dai. Ele, como bom brasileiro, não desistia fácil.

Mesmo passado um mês do aniversário da mãe, que fora comemorado num mini jantar no quintal e com uma violeta que Érico e Cléber compraram para a Dona Dai, longe do clima de felicidade absoluta inicialmente planejado por conta de outros fatores, fatores que nem a alegria exuberante da mãe aplacou, a ideia do colar não o abandonara. Mesmo começando como uma aposta, o tal presente ainda era seu objetivo maior.

Pensar na aposta fez Érico suspirar enquanto abria uma caixa de chicletes que precisavam ser repostos na gôndola. Quem olhasse de longe poderia jurar que Érico estava apaixonado — o que, para dizer a verdade, não deixava de ser uma realidade —, porém o que o consumia era a situação com os amigos, e não assuntos do coração. Nando e Mosca não olhavam em sua cara há um mês. Contadinho no calendário, parecia ainda mais horrível. Érico suspirou novamente, empurrando a caixa de papelão para baixo do balcão. Quem dera seus problemas fossem fruto de paixão.

O final do semestre trouxera, além do acidente de Nando, uma alteração completa no comportamento dos amigos. Toda tentativa de aproximação era negada por Mosca durante a breve internação de Nando, e Érico teve de aprender a passar os intervalos e grande parte das aulas sozinho. Mal os períodos terminavam, Mosca corria para fora da sala feito um jato, ignorando Érico como se não o conhecesse. Sem o amigo, Érico sabia do estado de Nando através dos outros, por uma ou outra postagem no Facebook ou por fofocas de corredor.

(Érico até que gostaria de mandar mensagens perguntando sobre Nando, pedir perdão e dizer que devolveria cada centavo do dinheiro da aposta, mas o grupo, "3 GURI BOM", fora excluído. Aparentemente, as feridas eram mais profundas do que Érico havia imaginado.)

Ele franziu os lábios e ajeitou o aparelho auditivo. Tentava não pensar muito no assunto, mas era difícil. Quando a cafeteria ficava vazia daquele jeito, sem a Dona Paula no caixa, sem os clientes barulhentos nas mesas e sem os outros garçons, o pensamento de Érico dava voltas e sempre encontrava parada nos amigos e no dinheiro. Principalmente no dinheiro.

Na carteira surrada que ele trazia no bolso da frente havia a quantia exata que precisava devolver aos guris. Todas as manhãs, quando saía para a aula, Érico verificava se o dinheiro estava lá. Sabia dos riscos que corria ao andar por aí com 1400 paus na carteira, mas que outra opção havia? Se os guris, iluminados por um milagre, decidissem falar com ele, se inventassem de perdoá-lo, se... se... se...

Érico suspirou. Pelo menos agora, com o final das aulas, poderia se dar ao luxo de deixar o dinheiro em casa; os guris não iriam à universidade apenas para reatar laços. Se não eram vítimas das recuperações, Nando e Mosca eram os primeiros a sumir tão logo as férias começavam.

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