08. suíte master luxo

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O carro apagou outra vez. Em menos de 20 minutos, era a segunda vez que o precioso automóvel de Cléber, um Siena prateado incrivelmente conservado, morria nas mãos geladas de Érico. Do banco do carona, o motorista recebeu apenas silêncio e o olhar fixo de Isabel. Nervoso, ele deu uma risadinha.

— Bah, até parece que não tenho carteira, mas eu tenho, ok? — disse ele, girando a chave na ignição. Novamente, seguiam pela rua apinhada de carros e pessoas naquela noite quente de sexta-feira. — Sou... meio péssimo como motorista. Me desculpa. Faz tempo que não faço isso.

Ela não respondeu. Quando Érico estava quase relaxado, quase deletando da memória que dirigia para um motel escolhido por Nando para ganhar 500 paus de uma aposta sem noção, Isabel disse:

— Achei que tu não sabia dirigir.

O rádio estava desligado, e mesmo com o aparelho auditivo num volume razoável, as palavras de Isabel saíram cristalinas feito champanhe em noite de véspera de Natal. Ele virou o rosto para ela, as mãos plantadas no volante bem encerado.

— Ah, eu tirei a carteira ano passado. — Érico fez uma pausa curta, como se passasse em revista as aulas teóricas insuportáveis e as aulas práticas que deixavam seus nervos em frangalhos. — Não tenho o costume de dirigir porque o carro é do meu padrasto. Ele usa pra trabalhar, e tal, mas me empresta quando preciso pra algo especial.

— Especial tipo levar as gurias pro motel?

Ele franziu os lábios, as bochechas ardendo.

— É — respondeu Érico, focado no trânsito para não ficar ainda mais encabulado diante de Isabel. — Aí ando de ônibus. Até prefiro, na real. Dá pra... pra encontrar as pessoas.

Ele se calou, deixando o que queria dizer no ar enclausurado do carro. Nenhum dos dois havia tocado na tarde bizarra de quinta-feira, na invasão de Érico num momento tão íntimo dela, na discussão com a avó, na parte do sobrenome quilométrico e da riqueza absurda que, apesar de tudo, obrigava Isabel a pegar o ônibus. Porque, dada a escolha, quem diabos preferiria andar de ônibus?

Ficaram em silêncio, e Érico pensou em como abordar o assunto "Tarde de Quinta-Feira" sem parecer intrometido. Mais intrometido. Vagar pela casa e ouvir atrás das portas já estava de bom tamanho. Ele pigarreou, dobrando a curva. Ela olhava pela janela, desinteressada em tudo.

Depois daquele olhar gelado de Isabel, da expressão assustada da avó e do mordomo, que surgiu na sala momentos depois, Érico foi arrastado pelas portas francesas que davam para a piscina pelas mãos firmes de Isabel. Ele não se lembrava ao certo o que havia gaguejado diante dela; possivelmente algo envolvendo "me perdoa", "vamos pro motel", "fiz esse muffin pra ti" e "preciso de uma calcinha tua pra aposta". Não exatamente nessa ordem. Isabel ouvira, impassível, pegara o muffin com curiosidade, e arrematara: "Eu falo contigo depois" antes de entrar na casa como se uma missão ultra secreta esperasse por sua presença.

E agora Érico estava ali, a caminho do motel escolhido por Nando, para que os 500 paus caíssem em sua mão e a Dona Dai tivesse o melhor presente de aniversário do mundo. Tudo aquilo valeria a pena.

— Parece que chegamos — disse Isabel. Havia um sorrisinho no canto de seus lábios. — Motel Imperial.

Érico desacelerou e olhou para cima. O Motel Imperial, conforme as letras caixa fixadas na fachada chique indicavam, era uma construção sólida para quem olhava de fora, com uma cerca alta de policarbonato, iluminada por luzes coloridas indiretas que refletiam a confusão dos sentimentos de Érico. Ele apertou o volante, engolindo em seco. A recepção, uma entradinha que mais parecia o início de um drive-thru, esperava por eles. Isabel tinha o cenho franzido para a fachada, avaliando tudo com olhos clínicos.

Entre Muffins e Apostas | ✓Where stories live. Discover now