VINTE E TRÊS

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"Não! Não!"

Eu ainda gritava e me debatia, lágrimas generosas cobrindo e escorrendo pelo meu rosto, quando Tales finalmente conseguiu me puxar para fora, seu braço forte contornando minha cintura.

"Marcele... Marcele!", ele chamou, apertando duas mãos nas laterais do meu rosto. "Marcele, acorda. Acorda!"

O calor cobriu minhas bochechas e eu parei, voltando os olhos marejados para o homem. A trilha de lágrimas em minhas bochechas pareceu esfriar, mas foi renovada quando eu vi as expressões assustadas de Tam e Nana. Cambaleei em direção às duas, puxando-as para um abraço apertado.

"O que aconteceu lá dentro? Marcele... ah, meu Deus", Tam murmurou, suas mãos tão trêmulas quanto as minhas, enquanto ela empurrava uma mecha de cabelo preto para trás da minha orelha. "Marcele!"

Não consegui responder. Afundei meu rosto no abraço apertado das duas. Só depois de um longo momento me afastei.

"Eu... acho que vi a Donatela," disse num murmúrio triste. Levantei o livreto em minhas mãos. "E ela me mostrou isso aqui."

Silêncio — um longo e muito profundo — se seguiu, até eu me acalmar por completo.

Momentos mais tarde, Tam ainda me abraçava com força, penteando meus cabelos com os dedos. Otelo e Nana tinham saído para comprar qualquer coisa que pudesse iluminar melhor a kitnet, enquanto Tales e Tam deveriam desvendar o livreto que eu tinha trazido — mas durante todo aquele tempo, o advogado não tinha largado o livro uma vez sequer, mesmo diante dos pedidos insistentes de Tâmara, que eventualmente desistiu.

À minha esquerda, Tales mantinha uma expressão dura e impassível enquanto folheava as páginas amareladas; à minha direita, Tam mantinha meus dedos entre os dela, um dedão roçando as costas da minha mão.

Meus olhos, enquanto isso, continuavam colados na porta amarela.

"Ainda não achei porcaria nenhuma", Tales disse finalmente, fechando o livreto com força e jogando-o em cima da mesa de centro. "Não consigo nem enxergar as letras direito, nessa... porcaria de escuridão. E o que eu consigo ler não parece fazer sentido nenhum!", completou, emburrado.

Tâmara levantou os olhos em sua direção.

"Deixa eles voltarem, então."

"Tales?", chamei. Esperei seu olhar se cruzar com o meu, estudando a maneira como suas sobrancelhas grossas se levantaram numa pergunta silenciosa. "O que... era aquilo?", perguntei, apontando para o armário.

Ele suspirou uma mistura de frustração e nervoso.

"Acho que 'cê já 'tá calma o suficiente pra descobrir." Pigarreou. "Aquilo, Marcele, é um armário de Escuridão-Profunda." Crispou os lábios, enfiou os dedos pelos cabelos escuros. Suspirou. "São muito raros. Tão raros que muita gente acha que essas merdas já não existem mais." Soprou um 'pfft' pelos lábios. "E podem ser letais... como você provavelmente notou."

Movi a cabeça numa positiva. Eu tinha notado, sim. Tinha sentido na pele a maneira como os meus medos afloraram e borbulharam ali dentro; como minha mente me pregou peças, como eu não parecia conseguir chegar a lugar nenhum. E principalmente, quão sozinha, frágil e impotente eu me senti na Escuridão.

"Escuridão-profunda", me corrigi, os olhos baixos. "Acho que eu conheço bem esse lugar." Tentei rir da minha própria piada, mas não consegui.

Tales me focou os olhos cor de mel. Nos traços orientais — as pálpebras grossas, os cílios escuros — eu senti uma intensidade que não encontrava há muito tempo. Nos olhamos, simplesmente, por um longo minuto. Talvez tenha sido um reconhecimento; talvez Tales só quisesse entender as minhas palavras. Talvez, ainda, quisesse me entender.

Assassinato no Mundo das Fadas (Completo)Where stories live. Discover now