Capítulo I

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"Achei a vida toda tão imbecil como eu." - Antônio Patrício

Por enquanto apenas o primeiro capítulo...

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》(Seu/Nome)

Não é na existência de Deus que não acredito, mas, na verdade, nessa tal de misericórdia, de... benevolência que todos dizem que Ele tem. Acredito; porque acredito que há algo acima de nós, algo além. Me parece impossível que tenhamos surgido sem nenhuma outra intervenção, seja de Deus ou não, e, não me restando nenhuma outra opção, prefiro acreditar nisso: Deus realmente existe, no entanto, sem toda essa bondade gratuita e divina, bem, divina, mas nem tão gratuita assim. Não nos cedeu sua benevolência, não teve misericórdia de nossos corações.

Um lugar silencioso, branco, claro, iluminado. Tentávamos parecer confortáveis naquelas cadeiras macias e elegantes; procurávamos permanecer imóveis enquanto nos colocávamos forçosamente a suportar sentimentos tão bem conhecidos por nós: o fracasso, a frustração, a tristeza.

A situação não era inédita. A circunstância era a mesma. Pela sexta vez ouvíamos palavras incentivadoras e pedindo compreensão e paciência, seguidas de frases brandas negando nossa esperança conjunta até sermos deixadas a sós do lado de fora do consultório.

- Não desistam de tentar. Ainda são jovens, poderão construir uma família. - Vi o médico a nossa frente falar enquanto guardava o resultado de volta ao envelope de onde o havia tirado.

O homem calvo que deveria contar pelos seus cinquenta anos e pelo menos vinte de profissão, nos disse coisas a mais, as quais não prestei muita atenção. Deixamos a sala recebendo um sorriso de pena por parte dele. Era a sexta vez que tentávamos, a sexta vez que caíamos derrotadas.

Olhei sua mão presa à minha, seus dedos entrelaçados aos meus enquanto caminhávamos até a saída da clínica e posteriormente ao estacionamento. Os olhos azuis pendiam para um infinito vazio em sua frente, caminhava como se enxergasse automaticamente, sem nada distinguir - olhava, na verdade e provavelmente, seus próprios pensamentos. O cabelo num louro escuro jogado para o lado movia-se pouco com o vento. O nariz fino e bem desenhado, assim como a boca de lábios grossos, ainda não se transformavam na efetiva concretização da mágoa, mas logo a cena viria. Seu 1,70 caminhava lenta e pesarosamente colado ao meu corpo numa angústia inerte. Emily sofria em silêncio. Era a sexta vez que passávamos pela fertilização in vitro e a sexta vez que terminávamos na certeza amargurada de que não teríamos uma família.

Estávamos casadas há oito anos, ela contava seus 34 anos de idade, era bonita, muito bonita... alegre, gentil, tinha um sorriso estonteante, soube quando a vi que seria impossível não me apaixonar. Os olhos azuis me tragavam para dentro dela. A queria mais bem do que a tudo e a todos, lhe satisfazia qualquer desejo, qualquer capricho, no entanto, não era capaz de saciar sua ânsia por um filho. A cada dia que se passava, mais ela se afundava na desesperança e sofria internamente por não poder fazer nada a respeito - partia-lhe o coração e levava junto o meu nessa quebra desesperadora. As palavras do médico não a consolava; não nos consolava. Sabia que logo seria ainda mais difícil engravidar, pois a idade estava chegando depressa, e eu, bem, eu era estéril, mesmo que quisesse, jamais poderia lhe dar um filho.

Havíamos tentado exatas seis vezes. As duas primeiras foram igualmente como a última: falhas. A terceira deu certo e ficamos tão radiantes com a notícia que logo iniciamos a imaginar os preparativos do quarto para o bebê, a pensar no sexo, nos nomes que daríamos fosse menino ou menina - eu desejava muito uma menina, mas ela esperava por um menino. Mas por uma fatalidade do acaso ou pela falta da misericórdia e benevolência divina, Emily sofreu um aborto espontâneo. A situação a colocou totalmente à deriva de uma depressão. Já estava tão ligada ao nosso futuro filho que perdê-lo assim, do nada, abalou totalmente seu espírito. Tive de me esforçar muito para trazê-la de volta, para fazê-la viver por algo, por si mesma, por mim. Com muito esforço e paciência e um tanto de desespero e insegurança que eu tentava camuflar com um sorriso, consegui prendê-la a mim e então tentamos de novo.

Sete (Camila/You)Where stories live. Discover now