40. Desejos Lícitos

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Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.

Minha mãe costumava pregar esse versículo todos os sábados em suas reuniões de igreja em casa quando eu era criança. Ela repetia a frase diversas vezes entre suas pregações, dizendo que Deus não se alegrava dos desejos humanos.

"Eles são perversos" dizia ela, "não se condiz na imagem e semelhança do Criador"

Eu sempre me perguntei quais eram esses desejos humanos tão proibidos, mas tinha medo de descobrir. Por muito tempo, isso foi um tabu, pois minha mãe o tornava assim.

"Não pode mentir"

"Não pode xingar"

"Não pode roubar"

A vontade de Deus passou a ser associada em "não poder".

Não pode isso, não pode aquilo....

Aí a adolescência chegou, e eu descobri o desejo mais pecaminoso, segundo minha mãe, que eu poderia encontrar em minha vida: o amor.

Não o amor.

Aquele amor.

Desejar outro homem.

Quando eu tive finalmente a noção que eu era gay eu desmoronei. Guardei aquilo com tanto medo, tanta culpa. Me sentia um monstro na maioria das vezes, principalmente quando ia à igreja. Mal conseguia me olhar no espelho. Naquele momento eu podia quase sentir um fino véu me separando de minha mãe.

Eu me tornara aquilo que ela mais abominava.

Isso doía em mim, me corroía.

Por mais que a gente tente se enganar, fingir sermos o que não somos por medo do mundo, uma hora a verdade surge. Não podemos fingir o tempo todo.

Ou você acaba com a mentira, ou ela acaba com você.

Então eu me entreguei aos desejos da carne e não vi nada de monstruoso. Não me senti impuro, tão pouco culpado. Pelo contrário, eu estava no paraíso.

Foi nesse momento que eu me revoltei.

Concluí que tudo o que a igreja e minha mãe pregava não passava de uma mentira. Como falar tão mal de algo que de fato, nunca trouxe nada de ruim para ninguém? Amor é amor, certo? Eu não conseguia entender mais, nem achar qualquer lógica para o que pregavam. Porque o amor entre dois homens poderia ser considerado algo "abominável aos olhos de Deus"?

Mas então, na última vez que estive de férias na antiga fazenda do Tio Sam, eu compreendi.

Meu primo teve a péssima idéia de me levar para caçar, tínhamos uns quinze anos na época. Na verdade a idéia foi mais do meu Tio do que dele, percebendo a rivalidade que crescia entre nós, afinal, desde pequenos nunca nos demos bem, achou que Evan me levando para "uma noite só de meninos" acabaria com as indiferenças. Pensando em me humilhar mais uma vez, o garoto magricelo e aparelho nos dentes adorou a idéia.

"Só tenham cuidado, principalmente você, Evan" disse meu tio apontando para a espingarda que acabara de dar ao filho.

Eu levei um susto quando o vi segurando aquilo nas mãos pela primeira vez e levei outra em seguida quando soube que meu Tio não iria conosco.

"Tem certeza que é uma boa ideia?" perguntou minha mãe, preocupada.

Naquele momento queria dar um beijo nela de agradecimento. Por incrível que pareça, naquela noite a mente mais sensata era a dela.

"Não se preocupe Mary" dizia meu Tio acalmando-a, "Não existem mais onças por perto, apenas pequenos animais, e Evan conhece muito bem a região, desde pequeno levo ele pra caçar"

O Filho Do Meu Patrão (Romance Gay)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora