E lá vem ela bater novamente à minha porta: seja bem-vinda, solidão!

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Uma vez alguém me disse que a solidão pode matar um homem. E eu, de tão acostumado com ela, desprezei tal ensinamento. Achei, por um instante, que já era o melhor amigo dela. Mas estava enganado. A solidão não tem amigos.

O sentimento até pode se afastar da gente por um tempo, mas nunca nos abandona. Sempre que pode, a solidão volta a visitar a alma, sempre com mais intensidade, sempre como uma ferida maior. E também faz surgir inúmeras cicatrizes, que se repetem tanto que a alma já não sente dor.

A solidão é quieta, silenciosa, sincera. Alguns dizem que ela é boa, necessária, intrínseca ao homem: porque a gente nasce sozinho - ensinam - e vamos morrer sozinhos. Mas a verdade é que todos, à sua maneira, procuram evitá-la. Procuram escondê-la em seus sorrisos, seus livros, suas músicas, seus trabalhos; Escondem-na ainda nas rodas de amigos, nos relacionamentos forçados. Tudo por causa do grande medo de se deparar com ela: uma amiga indesejada, mas constante: a senhora solidão. 

Chamo-lhe senhora porque a conheço bem. Junto-me a ela com os copos de bebida, os maços de cigarro, os papéis a serem escritos. É ela quem realmente parece me querer bem. Pois porque razão haveria de ser tão insistente em permanecer a meu lado, tanto que nem sequer cogita sair pela porta... para nunca mais voltar.

"Ah, por favor, solidão, vá embora!". Sem dar atenção, ela simplesmente me ignora, com seu silêncio habitual.

Às vezes, penso que ela só está aqui neste mundo para nos testar. É uma força aliada da gravidade. Que com o mesmo efeito devastador, procura sempre nos levar ao chão, procurando sempre nos levar a nocaute. Vejo a solidão como uma velha macieira, do tipo que lhe oferece vários frutos, esperando que você coma a maçã estragada. 

"Saia, solidão, vá embora!", eis que um dia eu disse. E, para minha surpresa, ela se foi. Havia sumido. Deixou que eu experimentasse uma porção de coisas novas. Permitiu-me observar a vida através de um caleidoscópio de cores infinitas, descobrindo muitas coisas maravilhosas e entendo o verdadeiro significado da palavra "compartilhar".

Depois dessa fartura, no entanto, a maçã sadia acabou, a fome voltou, e a macieira, astuta que é, apressou-se em oferecer novamente seus frutos estragados. "Toc! Toc!", ela disse. "Estou de volta!".

Crônicas para flutuar no tempoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora