3. Nova Vida

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Quando Soluço acordou estava no céu. Literalmente. Havia nuvens rosadas, amareladas, esverdeadas e alaranjadas. Ele sorriu acreditando estar morto, mas compreendeu que não era o caso quando escutou um grunhido vindo de cima.

   - Que bom que acordou - disse Pula Nuvem em dragonês - Eu estava começando a ficar preocupado.

   - O...Oi... - Soluço cumprimentou, apesar de não ter ideia do que o Dragão havia dito - Onde... estamos indo...?

  O maior não se incomodou em explicar e tagarelou por um bom tempo, mas Soluço não entendeu nada. E na metade do caminho estava mal outra vez.

  - Ah, filhote, não se preocupe - Consolou o avermelhado. - O Grande Rei vai curá-lo e você não vai mais se sentir mal!

  O filhote humano chiou em resposta e Pula-Nuvem se condoeu. Pobre menino, pensou. Vivendo em meio a bárbaros mesmo sendo tão fraquinho, não era de admirar que fosse inseguro daquele jeito.

  Depois de certo tempo finalmente chegaram e o Dragão pousou Soluço no chão. O menino mal tinha percebido isso e vomitou. Estava enjoado como nunca, e todo o seu corpo parecia pesado. Pula Nuvem reparou que seu rostinho estava avermelhado e que ele transpirava e tremia, mas não entendeu o que estava acontecendo.

  - Pula Nuvem - Cumprimentou Vex, a Nadder Mortal sem asas - O que é isso que trouxe? O Grande Rei Branco já falou o que pensa sobre comer humanos... Ainda mais como este, que parece estar bichado.

  - Ele não é comida - Respondeu o avermelhado - Ele não é como os outros humanos... E está tão fraco! Pensei que talvez nosso rei pudesse ajudá-lo.

  - Está louco?! - Bradou Vex, aterrorizada - Sabe quantos de nós os parentes dele mataram?! Eles fizeram isso comigo! - Disse mostrando as asas cortadas.

  - Mas...

  - Qual o sentido de tanto alvoroço, meus filhos? - Ressoou a voz do grande Dragão Branco.

  - Majestade, Pula-Nuvem trouxe uma criança humana para o ninho!!

  Todos os dragões voltaram o olhar a Pula-Nuvem.

  - Isso é verdade, meu filho? - Perguntou o rei.

  Pula-Nuvem confirmou.

  - Por quê?

  - Meu senhor... Essa criança não tem forças! É fraco e está doente, e ainda assim os bárbaros o maltratavam. Então o resgatei. Não é o que fazemos, senhor? Resgatar os mais fracos?

  - Mais fraco não quer dizer humano! - Vez ainda estava terrivelmente irritada, mas baixou a cabeça ao ser interrompida pelo rei.

   - Você tem razão. Pula-Nuvem, permito que o filhote humano fique desde que se responsabilize pelas atitudes tomadas por ele. Concorda?

   - Sim, meu rei!! - O súdito vermelho sorriu e rugiu em respeito ao seu superior

   - Quanto à cura, devemos testá-lo para saber se realmente é digno de recebê-la. Meus filhos, cuidem para que ele sobreviva até amanhã. Se assim acontecer, ele receberá meu sangue.

  Apesar de muitos discordarem, como era vontade do rei tiveram que atender. Soluço foi colocado num ninho feito de lã e grama e coberto com a segunda pele de um Dragão trocador de pele. Apesar dos esforços de Pula-Nuvem o menino não melhorou - Na verdade, quase não sobreviveu à noite toda. Delirou, gritou, chorou, se encolheu e, com os primeiros raios de sol, aquietou; a esta altura não tinha mais forças para fazer nada daquilo e apenas mantinha a boca semiaberta enquanto buscava respirar.

  Quando finalmente chegou a hora, não podia-se dizer que estava vivo. Não tinha cor, estava quente como uma panela fervente e mal se mexia. Não entendia ou procurava entender o que estava acontecendo, pois para si só havia dor e agonia. O rei se condoeu do estado lastimável em que a criança se encontrava, mas a admirava por sua coragem. O Grande Dragão soprou um vento frio sobre Soluço e isso o acalmou. Parecia que o ar que o rei respirava não era o mesmo que ele - era mais puro e leve, e enchia os pulmões doloridos da criança febril. Com isso a cor foi voltando ao seu rosto e Pula-Nuvem suspirou aliviado.

  Mas ainda não havia acabado. Com seus poderes o soberano dos dragões mandou que um marchadrago arrancasse uma lasca de seu grande espinho branco e este, obediente, perfurou o queixo de Soluço com aquele pequeno fragmento do rei.

  Em pouco a momentos o espinho se desfez e o sangue da criança humana era o mesmo do Rei dos Dragões, gerando uma ligação entre os dois - saberiam tudo um sobre o outro; se um morresse o outro saberia, tal era sua conexão. A vida se abria para aquele humano outra vez.

  - A Criança agora tem uma nova chance. Pode mudar seu destino e viver ao nosso lado. Eu agora declaro Soluço Spantocicus Strondus terceiro meu legítimo filho, pois corre em suas veias o mesmo sangue que o meu.

  Os dragões guincharam e rugiram em resposta, comemorando o nascimento de seu novo Príncipe.

(***)

  A recuperação e readaptação de Soluço àquela nova e extraordinária sociedade foi lenta, mas progressiva. Seu corpo foi ficando mais forte, e ele lutou até que pudesse se manter novamente em pé - apesar da cura, seu corpo ainda precisava se adaptar após aquela terrível febre.

  Agora ele conseguia entender o que Pula-Nuvem e os outros diziam; conseguia correr numa velocidade impressionante, pular numa altura exultante e carregar pesos impossíveis. Entre os humanos agora seria o mais forte - apesar de ser o não ter este título entre os dragões (ainda assim ganhando do bando do Terror Terrível e alguns dragões menores).

 
  Ele não era mais chacota, e apesar de muitos dragões o ignorarem no começo, não demorou até que todos estivessem afeiçoados à criança. Soluço pôde desenvolver seu potencial para inúmeras artes, inclusive para a ferraria. Projetava e montava asas para os dragões que não tinham ou que haviam perdido, construira todo um sistema mecânico de pesca para os dragões mais velhos que não conseguiam caçar e para os filhotes, e até armaduras para os dragões coletores chegara a fabricar - "assim ficarão mais seguros", explicou quando o rei Branco (seu novo pai) lhe questionou.

  O talento do jovem Dragão crescia a cada dia com a ajuda de Pula-Nuvem, que lhe ensinava tudo o que sabia, hagindo como um conselheiro. Ambos, o Rei e o dragão Vermelho se orgulhavam da sua criança e acreditavam firmemente que ela seria capaz de trazer paz aos dois mundos um dia.

(***)

  Em Berk nada havia mudado muito nos quatro anos que se seguiram sem a presença de Soluço.

  Nada, exceto Stoico e Valka.

  Para o chefe tudo parecia quebrado e sombrio. O mundo perdera a cor quando seu coração se fechou. Bocão mal conseguia arrancar-lhe um sorriso. De Valka, então, nem se fala. Nos primeiros meses sequer saía do quarto do falecido filho. Não comia ou dormia, apenas fitava o horizonte e chorava. Muitas vezes ia ao ponto em que o perdera, desejando de todo coração que o Dragão voltasse e devolvesse o menino.
Mas não aconteceu.
 
  Um ano depois ela ainda não lutava. Parecia que a mesma raiva que nutria a ira de Stoico envenenava sua esposa. Mais um ano, Valka não saía mais de perto das crianças da Vila. De guerreira passou a ser cuidadora. Sentia-se melhor assim, como se aquelas crianças pudessem preencher o vazio que seu menino deixara. Mais um ano e finalmente sua tristeza passou para raiva e de raiva a ira, e Valka voltou a lutar. Agora ensinava às crianças no programa de treinamento de Vikings e Piratas junto com Bocão.

  Até que ela parou de contar quanto tempo tinha que seu filho desaparecera.


[O próximo capítulo pode demorar, mas prometo dar meu melhor!⭐]

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