7.Trapalhadas

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    A cerimônia do Memorial dos perdidos fora, como sempre, uma completa perda de tempo, Astrid nem se lembrava mais porque tinha decidido ir. Mas então viu Valka e lembrou.
  
     - Fico feliz que tenha vindo - Disse a mulher ao surgir atrás da garota acarinhando suas madeixas loiras - Como estão seus pais?
   
    - Estão bem, como sempre. Nada de novo se eu não fizer besteira - respondeu a mais nova - Ou se eu fizer e eles não ficarem sabendo.
  
    A relação de Astrid e Valka era uma coisa complicada. Astrid achava que a culpa era dela por ter abandonado Soluço, e pensava que Valka achava isso também, mesmo que por sua vez Valka se sentisse culpada por não ter conseguido pegar Soluço de volta do dragão, e pensava que Astrid também pensava assim. Era um fogo cruzado em pleno armistício, mas ambas atacavam a si mesmas e não uma à outra.

   - Eu sinto falta dele - Astrid arregalou os olhos ao perceber que o tinha dito em voz alta, mas era tarde demais para mascarar com qualquer outra frase, pois os olhos de Valka já encontravam-se em desalento. A mais jovem se repreendeu por dentro, mas sua salvação para aquela situação constrangedora chegou em forma de Perna de Peixe, que vinha lhe trazendo alguns dos quitutes servidos lá dentro.

   - Aqui, pega uns! - Ele lhe entregou todos para ter os braços livres a fim de abraçar a viking mais velha. - Hm, não fica assim tia Valka, ele tá melhor agora.

  Apesar de nem sempre dizer a melhor coisa no momento certo, Perna de Peixe era ótimo em gestos, e sempre acabava fazendo as pessoas entenderem o que queria dizer através destes. Valka suspirou e apertou os braços em torno do menino  que tanto lembrava o seu filho, suspirando. Despediu-se deles logo em seguida para ter um tempo para si.

   Astrid encarava o amigo desprovido de uma carga saudável de lipídios com curiosidade, e até certa raiva. Passados alguns dias do memorial, finalmente decidiu tirar a dúvida que assolava seus pensamentos.

    - Porque você sempre diz isso? - Perguntou depois de encarar durante alguns segundos

   - Digo o quê?

   - Que ele está melhor agora. Como sabe?

   - Bem... Valhala está em nossos corações. Os mortos também. Meu avô costumava dizer que se você ama uma pessoa, após sua morte ela passa a viver com você... Então se eu estou tendo uma vida boa - Ele fez uma pausa - Tá, talvez até meio medíocre... Se ele vive comigo, eu me esforçarei pra ser feliz por ele.

   Astrid bufou e desviou os olhos, pousando a mão sobre o peito. Se ele vive comigo... Talvez Perna de Peixe tivesse razão, não? Talvez uma maneira melhor de honrar a memória de Soluço além da vingança, fosse viver uma vida feliz por ele, que nunca chegaria a ter uma.

   Porém, nesse momento o Sino foi tocado, sinalizando perigo. Droga, eles voltaram.

   Enquanto Melequento, Astrid e os outros alunos de Bocão apanhavam armas, escudos ou baldes de água, Perna de Peixe era um dos únicos adolescentes que iam junto com as crianças para o abrigo. Valka era quem dava as tarefas, e jamais permitiria que o rapaz se aproximasse do perigo, portanto colocava a desculpa de que ele era bom em acalmar as crianças para mantê-lo a salvo. Ele sabia, mas sabia também que era um completo inútil em batalha, portanto não reclamava muito sobre a imposição da líder.

   Era um ataque diferente. Os dragões não estavam exatamente atacando os vikings... Parecia mais que estavam perseguindo uns aos outros! Que raios estava acontecendo?! Stoico saiu de sua cabana assim que ouviu o primeiro bater do sino, já empunhando sua maça e seu escudo, gritando tanto que começava a ficar vermelho. Não como Valka, ele aproveitava dos ataques para se vingar, e matava cada um como se assim os dragões fossem devolver-lhe o filho.

  - Stoico! - Chamou Valka em meio ao caos da ilha - Stoico, tem algo errado acontecendo!

  - EU SEI! - Ele respondeu prontamente - ESSES BASTARDOS VIERAM PARA MORRER!

  - Não! - Ela tentou segurá-lo, mas seus ombros eram largos demais para que a mulher tivesse sucesso; portanto ela se pôs em sua frente - Olhe! Eles estão perseguindo alguma coisa!

   Ao longe, se você prestasse atenção e tivesse olhos bons como os de Astrid, veria uma figura pequena correndo e desviando de jatos de fogo. Se olhasse com um binóculo, como Bocão, então veria que na verdade se tratava de um ser humano! Mas como poderia um humano correr naquela velocidade e desviar tão energicamente das baforadas? Ele tentou informar isso ao chefe antes que este fizesse algo imprudente, mas era tarde demais. Stoico, no auge de seu momento Berseker iniciou uma saraivada de flechas em direção tanto ao "humano" como aos dragões que o perseguiam. 

  - Eu vou dar uma olhada nisso! - Anunciou Astrid, sendo imediatamente seguida pelo amigo que rebeldemente fugira do abrigo enquanto Valka não prestava atenção. - Perna de Peixe, o que você tá fazendo aqui?!

   - Cara, é um humano dragão! Eu TENHO que ver isso!

   A loira bufou. Não adiantava discutir naquele momento.

    - Tanto faz, só fica atrás de mim!

  No entanto, nenhum deles pôde avançar. 

  
***

  

Soluço e o Fúria da Noite passaram vários dias no ninho sem uma tarefa específica para fazer, o que os obrigou a conviver durante um tempo. Não fora fácil, mas eles deram seu próprio jeito de suportar um ao outro.

    Em um desses dias, porém, algo complicou a jornada deles. O constante cheiro de humano que Soluço exalava acabou levantando suspeitas, por isso ambos decidiram sair da ilha.

  - Mas como? - Perguntou Soluço ao dragão - Ele vai sentir a falta do seu cheiro!

   - Eu tenho uma ideia... - o dragão negro suspirou - Vai doer bastante...

   O viking estremeceu.

   - Soluço, eu preciso que me apunhale.

    Um segundo. Dois. Um minuto.

   - O QUÊ?!

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⏰ Última atualização: Jan 31, 2021 ⏰

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