Capítulo 01: O Garoto-da-Torre

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Foi quando ele estava andando por uma ponte de madeira, olhando para um triste córrego, abaixo de seus pés. As tábuas de madeira balançavam, rangiam e estremeciam a cada passada, ameaçando desmoronar, mas o garoto não se importou. Na verdade, ele até gostou. A sensação do perigo iminente o fazia se sentir vivo, coisa que não acontecia entre as quatro paredes de que era prisioneiro.

A melodia em sua mente era calma e campestre, condizente com o ambiente no qual se encontrava. Se não houvesse ninguém para ver, certamente ele começaria a dançar. Claro, se não houvesse ninguém.

Enquanto seus pensamentos divagavam, ele se pegou andando por um caminho bem largo, em ziguezague. À esquerda havia um pequeno bosque, à direita se ramificava outro caminho. Esse era menor, mais estreito. Raúl olhou mais atentamente e viu que aquele ramo de caminho daria no principal, onde ele já estava.

Deu de ombros. Resolveu seguir em frente.

Certa hora, avistou um casal em um banco. Nesse momento, começou a se perguntar. "Aonde... Aonde... Aonde eu irei encontrar um alguém que me queria, me adore... Alguém que me faça feliz?"

Antes ele pensava que chegaria alguém para salvá-lo da prisão incrivelmente alta, de onde escapou há poucos dias. Mas isso nunca aconteceu. O pequeno Raúl estava começando a desacreditar dos contos de fadas.

Ele não queria mais pensar nisso.

Tudo o que ele mais desejava, finalmente, havia acontecido. Ele estava livre. Havia conseguido sair daquela torre e agora queria apenas saborear os frutos de sua liberdade.

Mais a frente, em seu caminho, ainda à esquerda, avistou uma pequena colina verdejante.

Raúl sempre via em filmes, e clipes de música, pessoas deitando nessas colinas, ou rolando sobre elas de cima à baixo. Elas estavam felizes, ele nunca havia feito nada parecido. Também, como poderia? Passara 18 anos de sua vida em um cárcere de concreto. A única natureza que ele conhecia eram as plantinhas de sua varanda.

Aquele era um mundo novo e estranho para o menino.

Então, sem pensar duas vezes, ele deixou sua mochila de lado e se jogou sobre a grama verde.

A sensação da relva sob seus dedos, somada ao calor da luz do sol em seu rosto e à brisa refrescante de verão, o fazia arder em êxtase. O Garoto-da-Torre havia achado seu lugar no mundo. Se fosse possível eternizar um momento de sua vida, certamente seria aquele.

Raúl começou a escrever e anotar tudo o que fez e sentiu até aquele momento. Ele gostava de escrever, principalmente livros. Mas, acima de tudo, era para guardar de recordação para quando precisasse. Ele deitou sobre o mato e se permitiu sonhar um pouco. Ao abrir os olhos, na primeira vez, via as nuvens se movimentando acima de sua cabeça, como algodões doces e, de vez em quando, um bando maroto de patos que voavam para um destino distante.

A felicidade finalmente se tornou palpável.

Então fechou os olhos uma segunda vez.

Para, então, acordar de vez.

* * * * * * *

- Raúl... Raúl... RAÚL!! - Evandro sacudia o menino adormecido. O tutor precisava sair bem cedo para trabalhar e tinha que dizer a seu pupilo tudo o que precisava ser feito no apartamento.

De tanto ser sacudido e remexido, o Garoto-da-Torre acordou num susto.

- Aí! Essa doeu! - Evandro levou uma cabeçada do menino.

- Hahahahah... Hahahahah...! - Raúl não conseguiu segurar o riso.

- Isso não tem graça! - disse Evandro, ainda dolorido e com raiva.

- Hehehe. O senhor bem que mereceu, acordou-me de meu sonho. - foi quando o menino olhou pela janela do quarto e viu que o sol ainda estava nascendo, os pássaros estavam começando a cantar e o céu já estava em seu tom de azul-celeste - Está bem que é uma linda manhã, mas foi um lindo sonho, foi... Ahhh! - ele suspirou.

- E que sonho foi esse, afinal? Perguntou um tutor bem apressado.

- Não posso contar. - Raúl disse com um sorriso tímido.

- Mas por quê?

- Porquê, se eu contar, não vai se realizar, e afinal... 🎶 "Um sonho é um desejo d'alma..."🎶.

- Ok, não temos tempo pra isso. - Evandro cortou a cantoria - Estou indo trabalhar. Você vai ficar bem, aqui?

- Sim, Evandro. - o menino deu um sorriso triste.

- Muito bem. O café da manhã está na mesa, deixei o almoço pronto na geladeira, é só esquentar no microondas. Se comporte bem. Preciso que dê um jeito na casa. Qualquer problema, me liga!

Raúl consentiu com a cabeça baixa. Evandro se despediu e saiu do apartamento.

O despertador tocou, como quem diz: " Vamos, levanta! É hora de trabalhar!"

O menino de apressou em desligá-lo.

- Meu Deus, até o relógio manda em mim!

Então ele lembrou do sonho que teve naquela noite, do qual foi bruscamente interrompido.

- Quer saber? Não faz mal. NINGUÉM me impedirá de sonhar. Foi um sonho tão lindo... 🎶... que pode se re-a-li-zaaaar!🎶 - ele continuou a cantar.

Evandro e Raúl não tinham dinheiro para contratar uma empregada e, como o tutor ficava fora o dia inteiro, as tarefas da casa ficavam por conta do garoto.

Para falar a verdade, ele não se importava. Ter muitas tarefas o distraía de sua dor e solidão.

Raúl faria 18 anos de idade em dois dias. Nesses anos todos, tinha saído pouquíssimas vezes daquele apartamento apertado. QUANDO saía, Evandro estava sempre por perto, como um segurança.

O Garoto-da-Torre não tinha nenhum amigo. Claro, ele não ia à escola. Evandro ensino tudo em casa.

- "Aqui você está seguro, filho. Lá fora eles são cruéis e não vão exitar em lhe fazer mal!", ele diz. Bem, ele me ama, e não tem porquê mentir. Mas não posso enganar a mim mesmo. Eu queria tanto estar lá fora, conhecer gente, lugares, viver experiências novas, aventuras, como eu vejo na TV, no YouTube... Ah sei lá... Sigo imaginando: quando a minha vida vai começar?

Enquanto limpava a casa, ele cantava. Era assim todos os dias. Cantar era como uma âncora, que o puxava para a sanidade.

E que voz ele tinha...

O que o Garoto-da-Torre não esperava era que, no mundo exterior ao edifício, havia alguém que apreciava o seu show.

O Garoto da TorreWhere stories live. Discover now