Capítulo 16: Pai VS Tutor

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As vezes, tudo o que precisamos na vida é do tempo. Dizem que o tempo cura tudo: feridas, amarguras, mágoas, ressentimentos... Talvez fosse disso que Walter precisasse, tempo. Tempo para analisar tudo o que tinha acontecido na sua vida até então.

Lidar com o fato de ter perdido sua amada esposa há 10 longos anos e, recentemente, confirmar a homossexualidade de seu filho, e ainda tê-lo expulsado de casa, feito um cachorro, estava se mostrando um verdadeiro desafio. Ainda mais sozinho.

Sozinho... ninguém pode ser feliz sozinho, o ser humano precisa conviver com outros seres humanos para ter uma chance de encontrar a felicidade. Sozinho. Walter estava sozinho em sua grande casa. Encostado na lareira ardente, olhando para as chamas dançantes, seduzentes, ele lembrava de uma época alegre, já distante, em que passava a maior parte do tempo com Mirella e Lírio, esse enquanto bebê.

Risos, brincadeiras, paz... felicidade, talvez. A expressão em seu rosto era quase risonha ao lembrar. Mas aí...

“Tudo começou a mudar”, pensou ele.

Lírio foi crescendo e começou a tomar gosto pelas coisas. Walter tentava dar-lhe coisas que, em sua cabeça, lhe remetiam a masculinidade. Brinquedos, roupas, fazia o filho assistir jogos de futebol pela televisão. Mas o garoto não atendia a suas expectativas. Entre um carrinho ou uma arminha de plástico e uma boneca, ele escolheria a boneca, certamente. Entre um jogo de futebol e o filme da Cinderela, a resposta era óbvia. Lírio gostava de azul, mas também via beleza num rosa ou num lilás. Para o pai, aquilo era incabível.

Naquele momento ele começou a se afastar do garoto um pouco. Mirella, vendo isso, tentou se aproximar mais e começar a lhe ensinar coisas, as leis universais do amor, mais conhecida como Bíblia. Sim, Mirella era protestante, mas aquele tipo que sabe falar e ouvir. Sabe defender os valores bíblicos e também sabe ver pelo ponto de vista das outras pessoas e propagar o amor, ao mesmo tempo.

Então veio o fatídico período da vida do menino em que os trejeitos começaram a aflorar. Lá pelos 8 anos. As feições de Walter iluminado pelo fogo se enrijeceram, desfigurando seu rosto numa careta de raiva grotesca. Lírio se tornava cada vez mais um lindo garoto. Bons sentimentos, sempre sorrindo, cantando e dançando, meigo, gentil, prestativo, sensível e amoroso. Fugindo totalmente do esteriótipo de como um “homem de verdade” deve agir, para Walter.

“Naquele dia...aquele fatídico dia...”, ele se referia ao dia em que Lírio ganhou o Lírio de Cristal, “Eu implorei para que não fossem até lá, que haveriam aquelas flores...mas ele insistiu até o cansasso...e ele foi!”, a fúria tomava conta do homem, “talvez ela ainda estivesse aqui se...”

O dia mais triste na vida do diretor do colégio Leaf Clover foi a morte de sua esposa. Ele se lembrava até então do diagnóstico. Asfixia. Mirella era alérgica ao pólen e néctar de certas flores, em especial das flores que estavam naquela campina.

Ele teve um acesso de raiva, só de lembrar, e golpeou a estante mais proxima. Uma lágrima começou a correr por seu rosto.

Sozinho.

Ele se sentia sozinho. Sem esposa, sem o filho. Mesmo que não quisesse admitir em voz alta, sentia muita falta de Lírio, da alegria dele, de ouví-lo cantar todos os dias, de como a casa parecia mais viva, vibrante, agora estava mais triste e sombria do que um jardim de almas infelizes. Ele estava só. Ele, as chamas infernais à sua frente e seus fantasmas, que pareciam zombar dele a cada minuto. Mas isso estava prestes a mudar.

A campainha tocou.

Walter olhou estranhamente para a porta, não estava esperando ninguém. Ele abriu e não acreditou no que viu.

O Garoto da TorreWhere stories live. Discover now