INC - Depressão e medo

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O Instituto de Neurociência e Comportamento estava localizado em uma grande área cercada de floresta. Possuía um forte esquema de segurança e soldados munidos com armamento pesado. Os guardas ficavam protegidos por trás das torres de segurança. Uma verdadeira fortaleza. A possibilidade de fugir me ocorreu, mas logo me pareceu sinônimo de suicídio. Atravessamos o portão de entrada. O veículo levou cerca de cinco minutos para chegar em frente ao prédio principal. A arquitetura imponente tinha a forma de uma pirâmide invertida. Dois policiais me acompanharam até a recepção, onde minhas algemas foram retiradas. 

Um grupo de pessoas nos recepcionou. Meu corpo tremia levemente. Tive a mesma sensação de abandono do meu primeiro ano escolar; quando meu pai me deixou na sala de aula. Fiquei calado e me coloquei no lugar do observador. Fui cordialmente apresentado aos membros do INC, provavelmente todos estavam envolvidos no meu caso clínico. 

Rômulo Trolette, foi o primeiro a se apresentar. Homem de meia-idade, polido, aparência nobre, pouco mais de um metro e setenta de altura, apresentou-se como diretor do INC. De uma forma extremamente educada expressou solidariedade. 

Vanessa Gispel, uma jovem psicóloga, limitou-se a me cumprimentar com um aceno de mão, e um tímido "Seja bem-vindo". Os óculos e o avental branco lhe conferiam um ar discreto de sensualidade.

Thomas Bradukovic, que depois eu saberia ser também conhecido como "TORA", era chefe de segurança, ele terminou sua apresentação com uma frase de impacto:
— Tudo aqui funciona como um relógio. Não queremos engrenagens gastas ou que persistem em não funcionar. Siga as regras e ficaremos todos bem. — disse o gigante corpulento. Esse homem possuía uma montanha de músculos, parecia ser feito de aço. Como se tivesse saído de uma revista em quadrinhos. Seu olhar era direto era assustador. 

Fui levado para uma primeira vistoria médica. Rasparam-me a cabeça. Recebi calças e camisetas de cor cinza. A cela dezoito ficava no andar superior do prédio e seria minha moradia nos próximos meses. Talvez nos próximos anos. O tempo é implacável e constante. Não se importa se estamos preparados ou não, ele segue seu fluxo. Durante os primeiros quatro meses no INC não fui procurado por ninguém do corpo clínico. Na primeira semana me colocaram para cumprir tarefas de manutenção na casa de máquinas.  E haviam os comprimidos azuis. Dois, todo santo dia. O enfermeiro sempre aguardava até que tivesse certeza de que eu os havia engolido. Obrigava-me a exibir a boca aberta. 

A rotina do INC era perturbadora. Meus dias baseavam-se nas pílulas azuis, no horário de tomar sol, nas refeições, nas tarefas da casa de máquinas, nas oficinas. Logo percebi que não havia relógios nem calendário nas paredes. Tampouco os funcionários possuíam qualquer dispositivo que indicasse hora ou data. Perguntar "Que dia é hoje" para qualquer um dentro do INC tinha como resposta apenas o silêncio. Após muita insistência, consegui de um dos guardas algumas folhas de papel e um lápis. Dediquei-me então a construir um calendário, para não perder a referência do tempo. Segundo meu precioso calendário, muitas semanas haviam se passado e aquele era o quarto mês desde minha chegada ao INC. 

Todo o dia antes de engolir as pílulas azuis, eu questionava o enfermeiro de plantão. Buscava uma explicação a respeito da demora em ser atendido pela doutora Vanessa Gispel. Em resposta, ele me dizia para ter paciência. A angústia da espera só servia para me deixar mais tenso. Vanessa poderia me esclarecer uma série de coisas. Minhas lembranças sobre os acontecimentos antes da internação eram confusas e embaralhadas. E o pior... Eu não conseguia sonhar. Mesmo me concentrando, os sonhos não aconteciam. O confinamento no INC foi algo premeditado pelo exército, eu tinha certeza disso, o que me fazia refém dos militares. Não era preciso ser um gênio para saber que mais cedo ou mais tarde eu seria visitado novamente por Fantini. Infelizmente isto ocorreu antes da minha primeira consulta com a doutora Vanessa Gispel. 

Foi logo após o banho de sol, nas primeiras horas do dia. O homem do exército retornou e um dos guardas me conduziu até o ginásio, onde Fantini me aguardava. Ele queria respostas. Queria a verdade sobre a minha 'invisibilidade" Sobre o fato dos sistemas de inteligência não conterem absolutamente nenhuma informação a meu respeito. 

- Eu não tenho ideia a respeito do que está dizendo, minhas lembranças continuam confusas - disse num tom de irritação. 

O agente treinado era para obter respostas e não fez rodeios. Usou da força para conseguir o que queria. Tudo aconteceu muito rápido. Quando percebi já estava no chão. O homem girou o corpo e me atingiu em cheio com o pé esquerdo. Fui lançado violentamente para trás. Bati a nuca numa pilastra de concreto e caí ao chão. Minha boca sangrava devido ao impacto do chute e a dor lancinante na nuca não me permitia nem gritar. 

O único som que saiu da minha garganta foi um sussurro desconexo e incompreensível. Ainda no chão, recebi mais um chute na boca do estômago. Enverguei o corpo em consequência da dor aguardando um novo golpe. 

- Não esqueça Edward, eu voltarei. Pense nisso! - os passos curtos do agente contra o assoalho do ginásio  demonstravam a sua impaciência - Será melhor pra você que tenha as respostas da próxima vez. - disse Fantini caminhando para fora do ginásio. 

O som dos seus passos cada vez mais distantes foram substituído por um silêncio assustador. Pensamentos e vozes confusas tilintavam dentro da minha cabeça, eu queria gritar por ajuda, mas estava atordoado demais para sequer me arrastar. Algum tempo depois, talvez horas mais tarde, despertei a consciência para outro som que se aproximava, eram as rodas da maca que me levaria até a enfermaria.  

Foram dezoito pontos no lábio inferior e um grande curativo na nuca. Tentei me levantar logo após a sutura, minha cabeça ainda latejava. O enfermeiro pousou sua mão sobre o meu peito com uma leve pressão indicando que eu deveria me manter deitado, calmo e tentar relaxar. Seu semblante era pacífico e passava uma mensagem de confiança. Não me recordava de ter visto aquele homem antes, existiam muitos enfermeiros que perambulavam pelos corredores do INC e além disso, eles se revezavam em turnos. Tentei falar com ele sobre o que aconteceu, mas o que saiu ficou mais parecido com a fala de um aspirante a ventríloquo.  Com dificuldade disse que eu precisava falar urgente com a doutora Vanessa,  que estava correndo perigo. 

- Um minuto - disse o enfermeiro dando alguns passos até uma pequena mesa. 

Ele retornou rapidamente com um prontuário, folheou parando numa determinada página parecendo ler atentamente. Sua resposta fez a minha cabeça latejar ainda mais. 

— Edward, fique calmo, aqui diz que você sofreu um ataque epiléptico e se debateu violentamente enquanto estava no ginásio.  Acabou rolando pela escadaria abaixo e bateu fortemente sua nuca num dos degraus, além disso fez um bom estrago nesse lábio.

O enfermeiro me olhava profundamente nos olhos - Você não corre mais perigo, já está medicado e precisa apenas descansar. 

Tentei em vão dizer-lhe que aquilo era uma enorme mentira. Que um homem havia me visitado e me agredido. O enfermeiro apenas me aplicou mais sedativos. Fiquei uma semana sem sair da minha cela a base de calmantes. Meus ferimentos foram tratados e limpos. Dez dias depois estava recuperado, tive alta e retornei a rotina do INC.  A única pessoa que parecia ter notado minha falta foi uma senhora que fazia a limpeza do refeitório; seu nome era Tita. 

— Olá, senhor Edward, fico feliz em vê-lo com saúde. - Tita parecia ser sincera.

Conversamos durante alguns minutos. Contei a ela sobre o que havia acontecido comigo, sobre as mentiras, sobre a farsa do ataque epiléptico. 

— Estou muito preocupado Tita. Minha vida esta em perigo. - me senti um maluco dizendo aquilo para uma estranha, mas eu precisa desabafar com alguém. 

— Edward, não comente sobre este assunto com ninguém. Seja o que estiver pensando agora, guarde pra você e tente manter a mente lúcida. Desculpe. Tenho que ir agora — disse Tita se afastando sem olhar para trás.

O Diário de Santee - Universos ParalelosWhere stories live. Discover now