Edward Santee - Sessão 1

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O medo passou a ser meu companheiro. Comecei a pensar em algo que me tirasse daquele claustro antes que fosse tarde demais. As palavras de Tita se repetiam em minha mente. O que aquela senhora quis dizer quando mencionou 'guardar sentimentos'? Minha vida havia se tornado um redemoinho de problemas em uma trama complexa e sem sentido. Isto me causava insônia. A longa madrugada fria em minha cela se tornou uma ótima oportunidade para refletir. O silêncio era quebrado a cada duas horas quando o guarda fazia a ronda noturna. Me despertava a lembrança de que o cárcere foi tudo restou. Em uma das tantas manhãs surgiu uma esperança. Um dos guardas foi até a minha cela para me dar uma notícia há muito esperada. 

— Edward, se prepare para sair da cela mais cedo. Você terá uma consulta com a doutora Vanessa. - a voz do guarda nunca fora tão bem-vinda. 

O consultório da doutora ficava em um amplo laboratório no andar térreo do complexo. Dentro do laboratório, o guarda me livrou das algemas e nos deixou a sós. A ansiedade por aquele momento fez que minhas pernas tremessem. A jovem mulher possuía uma beleza incomum: sua pele, seu olhar, seu sorriso. Ela se parecia com um pedaço de paraíso diante do inferno que representa aquele lugar. A doutora me tratou com muita educação. Sentei-me ao seu lado e conversamos sobre os meses anteriores, desde o início da internação. Vanessa me explicou que os primeiros meses eram para a adaptação do paciente e que eu sempre fui acompanhado à distância pela equipe médica. Resolvi não comentar sobre a visita do homem do exército. Não a conhecia o suficiente para lhe confiar meus segredos. 

Enquanto conversávamos, observei que ela preenchia alguns papéis, montava uma espécie de pasta. Na capa, escrito em letras grandes, lia-se "EDWARD SANTEE — SESSÃO 1″.
Questionei sobre a documentação com meu nome , ela passou a me explicar que seus pacientes passavam por sessões de regressão a fim de descobrir a causa dos problemas relacionados à esquizofrenia. A doutora me orientou sobre como me comportar para que a regressão tivesse sucesso. Ela disse que, no caso de querer interromper o processo, eu deveria lhe dar um sinal, movimentar o dedo indicador três ou quatro vezes. Segui as orientações da doutora. 

Acomodei-me em uma grande poltrona. Vanessa amarrou minhas mãos aos braços do móvel; prevenção para uma possível reação colateral. Antes de iniciar, Vanessa me perguntou se eu tinha sonhos e eu lhe disse que não conseguia sonhar de forma alguma. 

— Edward, você não consegue sonhar por causa das pílulas azuis. A droga utilizada é o haloperidol, ligeiramente sedativo e que parece bloquear os sonhos excessivos, dando origem a um mais repousante. Desenvolvi um novo tipo de droga que aliada ao haloperidol bloqueia totalmente os sonhos. A intenção é que você tenha estímulos menos hostis e que suas lembranças fiquem ocultas por algum tempo, enquanto se prepara para lidar com seus problemas. 

Fui relaxando aos poucos. A voz de Vanessa Gispel me trazia calma e tranquilidade. Ela me dizia para relaxar, para observar os sons a minha volta, mantendo os olhos fechados. Não sei quanto tempo levou. Quando percebi não estava mais no laboratório. 

— Edward, ouça atentamente o que tenho a dizer - a voz de Vanessa parecia existir em meus pensamentos – me conte o que está vendo agora.
— Eu vejo uma criança, uma menina. Ela está com um vestido azul de flores amarelas. Seu nome é Cindy.
— Continue... - ordenou a voz de Vanessa Gispel.
— A menina está acompanhada de uma mulher. Seu nome é Karen. Ela é minha esposa. Temos mais dois filhos. Douglas é o mais velho. Está olhando uma das vitrines. O pequeno Tom está no carrinho de bebê. Somos uma família feliz. Estamos sorrindo enquanto passeamos juntos.
— O que mais consegue ver, Edward?
— Algo nos observa. É um indígena. Está parado logo à frente, nos encarando. Avancei alguns passos para me aproximar do índio. 

Senti um calafrio, muitas vozes ao mesmo tempo falavam dentro da minha cabeça. Tentei voltar para onde estava a Karen. O shopping desapareceu. Estávamos na estrada agora. Thomas não era mais um bebê. O desespero me atingiu, entrei em pânico. Voltei ao momento em que matei meu cão Fiel com um grande pedaço de madeira, em que agredi o estranho que beijava minha esposa. Meus filhos choravam; tinham medo de mim. A voz de Vanessa me pedia calma. Dizia-me para ser apenas um observador. O que eu estava presenciando era muito real; acontecia de verdade. Tentei fugir, mas meus pés estavam grudados no chão. Não conseguia me mover. Lembrei-me do sinal. Movimentei meu indicador para cima e para baixo muitas vezes. Logo, eu vi o clarão se aproximando. 

O Diário de Santee - Universos ParalelosWhere stories live. Discover now