Capítulo - 05

199 41 153
                                    

Agora que está chovendo
Mais do que nunca,
Saiba que ainda teremos
Um ao outro
Você pode ficar debaixo
Do meu guarda-chuva

Rihanna - Umbrella

• ────── ✾ ────── •

Uma luz no horizonte como o sol nascendo chamou a atenção de Aurora, estava tão escuro que ela pensou estar de olhos fechados. Ela não sentia nada. Sempre esteve preenchida de dor e tristeza, mas agora nem o frio ou o calor. Onde ela estava afinal? Começou a caminhar devagar na intenção de sentir onde estava pisando já que o lugar mesmo com o ponto de luz no horizonte ainda estava escuro.

Estava caminhando fazia tempo mas não se cansava. Se perguntou se deveria parar, mas alguma coisa em seu interior dizia que valeria a pena, então andou por mais um tempo. Ouviu um barulho como se ela tivesse acabado de pisar em uma poça de água, isso a fez parar ainda mais quando sentiu seus pés se molharem lentamente.

Quando abaixou o olhar ficou surpresa ao conseguir enxergar gradativamente seus tênis preferidos sujos de barro, automaticamente saiu de cima da poça. De onde vinha aquela luz? Observou o horizonte e percebeu que estava em frente sua casa.

Por quê?

Não deixou de notar o quanto o dia estava bonito. Pássaros voavam por cima de sua cabeça e o sol estava tão reluzente, e o céu tão azul, seria um sonho afinal? Não, o calor que o sol estava lhe transmitindo era real demais, e a brisa que batia em seu rosto também.

Encarou sua casa, estava no meio da rua mas não notou nenhum tipo de motivação nem mesmo na rua, o único som que ouvia era dos pássaros no fundo. Cogitava entrar na casa, seu coração palpitava mais rápido com a ideia mas não sentia medo, na verdade não sentia nada. Esse maldito coração não deveria estar parado?

O som de um trovão ao fundo fez com que Aurora mudasse sua expressão estranhando todo aquele ambiente, afinal agora pouco o sol brilhava como nunca. Gotas de chuva incessantes eram jogadas contra Aurora e tudo ao seu redor. Ela sentia suavemente tudo, e seus olhos ficaram felizes, o sol estava começando a queimar sua pele.

Então ela começou a dançar.

Imaginava a música em sua cabeça, havia ouvido em algum lugar mas não se lembrava dela direito, então apenas um trecho era repetido e mesmo assim ainda tinha a impressão de que estava errando o tom ou a letra, que seja.

Um som ao fundo fez sua mente parar de processar tudo, sirenes. Luzes vermelhas e azuis apareceram no fim da rua antes da própria ambulância que só parou quando encostou na calçada da casa tão conhecida por ela. Não entendia por que tantas pessoas entravam lá com macas, a ficha só caiu quando conseguiu ver seu próprio corpo em uma delas quando saíram.

Era tão estranho aquilo, como poderia estar lá e ao mesmo tempo aqui? E por que eles não conseguiam vê-la? Aos poucos ela entendia, e se conformava de fato, sempre viu a morte como um sono profundo na qual jamais se acordava, onde você não tinha consciência nem de tempo ou de quem estava ao seu lado. Mas talvez ela estaria dormindo, e isso fosse só um sonho? Não sabia dizer, mas cumpriu o propósito de não ter que sentir mais nada.

Deixou que o tempo futuramente lhe dissesse, voltou a olhar para a ambulância e na outra maca, estava deitado o corpo de Darwin, se isso acontecia com todos, onde estava ele? Revendo a casa onde havia crescido ou ainda por aqui, observando o mesmo que ela? E se estava por aqui, por que não conseguia avista-lo? Tantas questões, mas ela adiou todas para olhar a mãe que acabara de encostar na porta da casa, provavelmente para observar como tudo acontecia, por que para lamentar não era.

Ela não se surpreendeu muito com a reação dela, toda neutra, e algumas vezes com um certo nojo estampado no rosto, mas estava tudo bem. "Eu estou longe de você agora, Dorothy. Que se foda." Virou as costas para tudo e começou a andar.


• ────── ✾ ────── •

Andou e cantarolou a mesma música de hoje mais cedo, e durante esse tempo todo não havia topado com ninguém, isso não pareceu um problema a ela. O sol apareceu novamente no céu e só isso já foi suficiente pra arrancar um sorriso da garota. Sempre preferia o frio do inverno mas o sol estava lindo demais para ser escondido por nuvens.

Chutava algumas pedras, não sabia onde estava mas ela só sabia andar mais e mais, até ver algumas pessoas mais a frente, passou por elas sem se importar. No entanto sentiu alguém acompanhou ela com o olhar, notou isso pela sua visão periférica. Seria alguém que vê aos mortos? Olhou por cima das sobrancelhas ainda sibilando a música e levou um susto quando assimilou que era Darwin.

— Como...

— Shh... — Ele colocou um dedo na frente da boca quando fez o som pedindo para fazer silêncio. Ela observou as roupas dele, elas era sociais, desde o sapato, o sobretudo que estava usando e o chapéu, lhe dando um ar engraçado e belo de Sherlock Holmes. Olhou para as suas roupas e levou um susto maior ainda com suas roupas. Desde quando ela estava assim? Vestido rodado preto e de sapatos sociais da mesma cor. Olhou novamente para Darwin e ele apontara para as pessoas que ele acompanhava.

Fraziu o cenho ao ver Dorothy, sua vizinha e alguns professores que ela conhecia. Era um enterro, seu próprio enterro, só naquela hora notou seu nome na lápide. Todos sem expressão, apenas em profundo silêncio encarando o túmulo, apenas o esganiçar do choro de uma das professoras ressoava no fundo. Tinha passado tanto tempo assim? Darwin encosta ao seu lado, abre um guarda-chuva e o estica para que ele cubra ambos os corpos.

Encara Darwin por um tempo, o sol estava ali mais do que nunca. — Você sabe que não está chovendo, certo?

Darwin sorri sem tirar os olhos de um ponto fixo qualquer, e então Aurora se surpreende com o cheiro de terra molhada. Darwin parecia conhecer tudo bem mais do que ela, todos os outros também abriram seus guarda-chuvas. Parecia que ninguém tinha coragem para simplesmente virar as costas dali, ir para casa e se aquecer com um chocolate quente.

— Foi uma boa garota. — o diretor da escola na qual estudava deu a iniciativa de colocar um ramo de flores encima do túmulo e sair. Em seguida todos os outros fizeram o mesmo — até Darwin, que deixou uma única rosa branca antes de beija-la, porém permaneceu ali vendo todos indo para suas devidas casas.

Ficaram ali absorvendo tudo por mais um tempo, só até ele se por na frente da garota e fechar o guarda-chuva negro, o sol deu o ar da graça novamente, mas Aurora já estava com raiva de como ele ia embora facilmente.

Ele sorriu, sorriu por ver a garota outra vez, linda como nunca, mais nada marcava sua pele e sua cara de doente também havia sumido. Ela parecia tão viva, a frase era tão cômica pra ser dita em voz alta. Pegou sua mão e a puxou para continuar a caminhada, agora acompanhada.

Deu uma última olhada em seu próprio túmulo, todas as flores estavam murchas, menos a rosa branca. Ela não sabia onde estava, e muito menos por quanto tempo ficaria ali, mas era bonito. E enquanto estivesse com Darwin estaria certo, por que algo que ela mesma não teria coragem de fazer, ele fez por ela. E ela ainda lamentava por isso.

• ────── ✾ ────── •

notes: eu preciso confessar que hoje depois de um bom tempo que eu criei Corpos Quebrados eu acho ele super tóxico, mas tem coisas pelas quais tenho carinho e decidi deixar ele aqui, publicado porém revisado e igual ao primeiro rascunho, sem mudar o enredo. Enfim, fiquem bem :)

Corpos Quebrados | ✓Where stories live. Discover now