Irritantemente atraente.

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— Isso está ficando fora de controle — Carl observou enquanto eu engolia a segunda colher de papa carregada com pimenta.
Meus olhos lacrimejaram do sofá, o olhar maquiavélico de Derian indicava uma satisfação desmedida.
— Disse para engolir — o maldito não tinha mesmo coração.
Ivy saiu do quarto devidamente vestida para ir passear com Carl e ao me ver chorando com um prato de papa na bancada, revirou os olhos.
— São duas da tarde e esse já é o que? O oitavo desafio do dia? — ela observou a coloração da papa e o frasco de pimenta ao lado do prato. — Meu Deus, vão acabar se matando!
Minhas narinas ardiam demais para que pudesse falar e o desafio consistia em três colheres cheias, ainda faltava uma. Com uma força de vontade descomunal, levei a terceira colher a boca, fazendo careta ao engolir.
— Aguáaaa! — falei em desespero. Ivy arregalou os olhos pegando a garrafa de agua da geladeira, a virei na boca imediatamente com as lágrimas caindo.
Derian gargalhou se debatendo no sofá e Carl levou a mão a testa em reprovação.
— Vamos amor, não quero presenciar a próxima tolice — se levantou agarrando a mão de Ivy para sair. Dei a língua para as suas costas e voltei a beber mais água.
— Amiga, tenha um bom encontro — Ivy gritou da entrada.
Se eram duas da tarde, precisava começar a me arrumar, Elliot viria me buscar às cinco para irmos em um restaurante da praia.
Corri para o quarto para pegar minha espuma depilatória, barbeador e hidratante, em seguida me trancando no banheiro com os apetrechos. Derian, ainda sentado no sofá, ficou apenas observando o meu ir e vir do banheiro até o quarto agarrando a toalha contra o meu corpo. Já havia tirado todos os pelos do corpo, a maquiagem estava ok, e as unhas em um azul brilhante também não estavam muito borradas.
De volta ao quarto, minhas roupas se espalhavam por todo o colchão.
— Achava que só iam sair para comer — Derian encarou toda a bagunça ainda parado no batente da porta.
Enquanto com uma mão analisava peça por peça, a outra mantinha a toalha agarrada ao meu corpo.
— E é o que vamos fazer — agarrei uma saia preta cintura alta, era colada até um pouco abaixo da bunda e depois tinha uns babados fofos que havia mandado colocar para aumentar o cumprimento.
— Suas pernas não são tão lisas nem nos seus melhores sonhos, e acabou de separar uma saia — observou. — Tenho quase certeza de que o jantar será outra coisa.
Suspirei impaciente.
— Talvez seja — respondi ainda caçando uma blusa. Achei uma azul de cashmere com mangas que iam até os pulsos. Perfeita.
— Nem conhece o cara e já planeja ir para a segunda base com ele? — o tom de julgamento na voz de Derian estava quase me obrigando a obrigá-lo enfiar a cabeça na privada.
— Você faz isso o tempo todo, não seja hipócrita.
No criado-mudo, cacei a calcinha e o sutiã mais bonito pegando um conjunto branco e rendado, não tinha muitas lingeries sexys, nem pretendia chegar em nível nenhum que ultrapassasse de beijos, mas ainda assim saber que usava um lingerie mais “adulta" me deixava mais confiante.
— Ótimo, vai até usar renda — continuou no meu encalço para me irritar. Peguei as coisas e fui me trocar no banheiro, saindo em seguida com trinta minutos sobrando. Meu cabelo estava milagrosamente impecável e com umas ondas encantadoras, tudo ia muito bem, exceto pela cara feia de Derian que insistia em me incomodar.
Entrei no quarto o encontrando sentado na cama de baixo do beliche.
— Por que está com essa cara de quem comeu uma fruta azeda? — cruzei os braços sobre o peito.
— Estou entediado e você não me desafia logo de uma vez — falou encarando a parede como se ela fosse algo extremamente interessante comparada a mim. Ergui as sobrancelhas para sua atitude.
— Acha que sou idiota? — chamei sua atenção.
— Longe de mim insinuar tal coisa — respondeu com sarcasmo.
— Se eu desafiar você, antes de sair, vai bolar algum desafio para sabotar meu encontro.
Estava claro como água que ele ansiava por isso. Derian soltou o ar dramaticamente.
— Cristo, espero que beije ele até sua boca cair, mas há centenas de formas de torturá-la, não preciso descer a esse nível, assim alimentaria sua fantasia de que sinto ciúmes de você. O que ambos sabemos que é uma hipótese absurda.
Sim, era uma hipótese absurda.
— Derian, não vai me convencer a desafiá-lo, seu teatro está longe de funcionar — sorri.
Ele se levantou e passou por mim indo até a cozinha.
— Bom, espero que tenha um ótimo encontro. — desejou abrindo uma caixa de pizza que deveria estar lá há uns dois dias. Pegou as fatias e jogou nada amistosamente no micro-ondas. — Também vou sair com alguém daqui há uma hora — anunciou.
Por essa eu não esperava.
— Quem? — perguntei. — A garota que trouxe aqui da última vez?
— Não, alguém que conheci na festa — meu peito apertou um pouco, provavelmente era o orgulho ferido, ele tinha conhecido alguém na festa e chamado para sair, a mesma a festa a qual ele tinha me beijado.
— Hum...— não tinha o que comentar. Meu celular começou a tocar e agradeci a Elliot pela pontualidade, pois ele já me esperava na frente da casa.
Me despedi de Derian que fez questão de me ignorar e se trancar no quarto. Do lado de fora, Elliot usava uma calça jeans claro meio rasgada acompanhada de uma regata preta e cheirava maravilhosamente bem quando o abracei. Ele segurou minha mão me fazendo dar uma volta.
— Achava que era impossível que ficasse ainda mais linda — sorriu esbanjando todo seu charme. Ele abriu a porta do carro para mim como um devido cavalheiro faria.
A viagem até o tal restaurante foi curta e conversamos sobre coisas básicas. Elliot era calouro em Design gráfico da universidade da minha cidade, além de ser três anos mais velho que eu.
Assim que chegamos no restaurante, meu queixo caiu, a cozinha onde todo o preparo da comida era feito estava em uma estrutura normal, mas as mesas, que eram de madeira fincadas na areia da praia e forradas com toalhas em um tom de creme, estavam cobertas apenas por uma grande tenda a qual luminárias se penduravam em um clima leve e romântico. Era perfeito. Assim que nos sentamos recebemos os cardápios.
— Uau — eu disse ao olhar em volta, as ondas quebrando bem a nossa frente, a lua e todas aquelas estrelas, era uma imagem de tirar o fôlego.
— Espero que tenha gostado, faz muito tempo que fui a um encontro, então por favor diga que está impressionada — implorou. Seu cabelo claro estava penteado para trás fixado com gel, destacando seu rosto e seus olhos claros.
— Estou impressionada — admiti ainda deslumbrada com o ambiente. Não demorou muito para que tirasse as sapatilhas e sentisse a areia fria sob meus pés. — Espero ser digna de tanto esforço.
— Acho que, só de saber que gastou seu tempo se arrumando para me ver, fez minha noite valer a pena. — a forma como seus olhos pareciam brilhar ao me encarar fazia com que eu me sentisse a garota mais linda daquela praia.
— Quem disse que me arrumei, eu juro que acordo assim todos os dias, lamento decepcionar — brinquei e ele riu.
Decidimos ver logo o que iriamos pedir. Tragicamente, as opções se resumiam a sushi e todo o tipo de peixe cru, tudo aquilo que eu abominava. Além de Derian. Elliot escolheu o seu prato com bastante empolgação e eu pedi o mesmo para não cortar o clima, jamais estragaria aquela noite. Os pratos chegaram rapidamente, forcei um sorriso ao ver as iguarias.
— Eles servem o melhor sushi — disse Elliot agarrando um Temaki como se fosse a melhor coisa já vista em sua vida e o devorando. Tentei não sentir ânsia ao imaginar que iria beijá-lo com o gosto de peixe presente na boca.
—Parece ótimo mesmo — menti.
Começamos a conversar e por uma benção divina ele tinha o habito de olhar para o mar uma vez ou outra, o que me permitia esvaziar meu prato pouco a pouco jogando a comida na areia e as enterrando com os pés. O universo certamente me puniria por esse desperdício um dia.
— Sabe, acho muito fofo você apreciar tanto o mar, essas coisas — também achava o rosto dele uma graça, mas não precisava me entregar em uma bandeja para ele.
Ele sorriu sem jeito.
— Meu pai é biólogo marinho, isso fez com que eu me apaixonasse pelo mar, respeitasse os animais que vivem nele e fora dele – explicou.
— Então como acabou cursando Design? — ele coçou a cabeça.
— Nem sempre se tem vocação para aquilo que ama, e no caso, eu sou muito bom no meu curso, não me imaginaria em algo diferente, mesmo que eu o odeie na maior parte do tempo — confessou em meio a risadas. — Mas e você, o que quer fazer?
— Bom, eu me matei de estudar nos últimos dois anos, tenho notas impecáveis, espero conseguir passar para medicina. Nunca planejei um plano B, caso descubra que sou horrível nisso.
Falar isso, me fez pensar que talvez fosse a hora de elaborar um.
—Tenho certeza que vai conseguir o que quer — em um movimento quase que imperceptível, seus dedos cobriram os meus sob a mesa. — Não consigo parar de olhar para você, está tão linda que poderia ser comparada com esse mar. Dei risada, um pouco incrédula.
— Bobo, até parece.
— É sério, o que é esse céu perto de um sorriso tão chocante quanto o seu? — indagou me fazendo rir ainda mais. — Olhe para esta lua, duvido muito que alguém diga que ela chega aos seus pés.
Por um bom tempo tentou me elogiar das formas mais ridículas possíveis, até que finalmente pagamos a conta a qual insisti em rachar, tinha que ter alguma vantagem em ser filha de uma mãe rica e ausente.
Andamos pela orla, falamos sobre sua época de escola e como estava sendo meu último ano. Quando nos demos conta, passava das dez da noite e como bom rapaz ele quis me levar de volta para que meus amigos não tivessem a ideia errada sobre ele.
Dentro do carro, parado frente à casa, a tensão do beijo que eu aguardava a noite inteira pairava no ar. Soltei o cinto de segurança imaginando quando ele daria a iniciativa.
— Adorei a noite — falei piscando os cílios mais do que o normal. Elliot praticamente estava me fazendo implorar.
— Eu também, você é incrível, é o tipo de garota que vale a pena — comentou. Torci o nariz tentando imaginar o que seria uma garota que não vale a pena.
— E isso quer dizer?
Ele desatacou seu cinto e se inclinou em minha direção pondo a mão em minha bochecha. Prendi todo o ar.
— Quer dizer que quero conhecer você, tentar algo, então irei devagar, no seu tempo — se curvou ainda mais encostando seus lábios nos meus e se afastando em seguida. Um mísero selinho.
Mais devagar que isso, só parando. Tentei não parecer frustrada ao me despedir, mas ao entrar, foi impossível conter a expressão de derrota em meu rosto. Por sorte, todas as luzes estavam apagadas, ou ninguém havia chegado, ou todos estavam dormindo.
Chutei as sapatilhas em nenhum lugar especifico da sala, acendi a luz e desabei no sofá de couro marrom. A porta do meu quarto se abriu, e por ela, Derian apareceu vestindo nada mais que uma cueca boxer branca, passando a mão no cabelo preguiçosamente enquanto semicerrava os olhos para mim. O olhei de cima a baixo, era inevitável, ele tinha um maldito corpo perfeito.
— Não parece feliz para quem acabou de chegar de um encontro — observou cruzando os braços fazendo seus músculos tencionarem.
— Por que não veste alguma coisa decente? — soei mais mal-humorada do que esperava. Derian olhou para sua cueca e depois para mim, os cantos de sua boca se ergueram em um sorriso presunçoso.
— É demais para você lidar? — disse me fazendo fingir vomitar. — Mas ainda não soltou fogos sobre o encontro. Então não foi bom — sua satisfação estava cada vez mais aparente.
— Ei, e sua garota? Não vejo ela aqui, e você não é do tipo que volta cedo para casa sozinho — ressaltei. Pela sua expressão de desgosto eu não era a única insatisfeita naquela noite.
— Eu conto se você contar como foi o seu primeiro — sugeriu. Suspirei pesadamente.
— Só se pedir duas pizzas enormes de frango com bastante bacon e cheddar.
Ele ergueu as sobrancelhas incrédulo.
— Não acabou de voltar de um jantar? — a lembrança da carne viscosa e crua dos peixes quase me deu ânsia. — Acho que está confundindo nossa relação, não somos amigos para que eu a alimente
Era impossível esquecer. Lhe lancei um sorriso que ele sabia muito bem o que queria dizer.
— O desafio a me pagar duas pizzas bem grandes e suculentas — falei sorridente, enquanto ele revirava os olhos para mim, nenhum pouco surpreso.
— Quer mesmo que tenha bastante bacon? —questionou adentrando no quarto e voltando com o celular em mãos para fazer o pedido. Acenei positivamente. — Dane-se o colesterol.
Enquanto Derian fazia o pedido, fui até o quarto trocar as roupas por um short lilás de algodão e uma regata verde. Tirei o sutiã por baixo da blusa e o joguei na cama me sentindo finalmente liberta, em seguida fui ao banheiro para me livrar de toda a maquiagem e enfim ficar confortável. Antes que voltasse para a sala pude escutar uma buzina, ao sair do banheiro dei de cara com Derian colocando pratos e talheres no chão, sobre o tapete felpudo que se estendia por boa parte do piso e as caixas de pizza, tudo isso ainda de cueca.
— Não pegou as pizzas assim, certo? — questionei temendo a resposta. Me sentei no lado oposto ao seu, ficando na sua frente.
— O que deveria fazer? Por um smoking?
Joguei duas fatias de pizza no prato, a seguir segurando uma com a mão e a levando até boca. Céus, aquilo sim era comida.
— Sua indecência me apavora — respondi de boca cheia. Meu estômago estava mais do que grato.
— Já sei porque seu encontro foi um fracasso. Ele viu você comendo e teve noção do grande erro que estava cometendo — provocou cortando sua fatia em pedaços pequenos. Agora ele tinha boas maneiras, claro.
Bufei mordendo mais um pedaço.
— Antes fosse por isso. Ele me levou para aquelas coisas de comida crua — levando em conta que a maioria das reuniões e eventos da minha mãe eram repletos de comidas da culinária japonesa, qualquer pessoa que me conhecia minimamente já tinha presenciado a minha repulsa pela comida, independente do qual chique e elegante os pratos soassem. Derian riu.
— Holly, não é você que vomita ao menor sinal de barbatanas no prato? — disse ainda rindo. Peguei mais uma fatia a comendo furiosamente.
— Exato! Mas não iria destruir o encontro. Não que eu precisasse fazer algo para que tudo fosse para o ralo — pensei em voz alta. Ele me avaliou.
— O surfistinha bonzinho não te satisfez? — nem mesmo o tom zombeteiro me tirava do eixo, eu já estava fora dele há minutos.
— Ele nem sequer me beijou! — botei para fora. Derian pareceu um pouco chocado com seu garfo estendido no ar. Uma gargalhada estrondosa e absurda irrompeu de sua garganta.
— Quem diria, Holly usou renda em vão — seu divertimento era irritante, mesmo que ele dissesse a verdade. — Uma pena, branco cai bem você, ele teria enlouquecido — o suposto elogio fez com que meu rosto esquentasse.
— E o seu encontro? — levantei as sobrancelhas para ele.
— Os primeiros dez minutos se resumiram a ela dizendo que era vegetariana e a importância de as pessoas adquirirem esse estilo de vida — começou a cortar outra fatia enquanto agarrava a minha terceira fatia com as mãos.
— Isso não me parece tão ruim — ele me olhou acidamente.
— Claro, aí vieram os trinta minutos dela tentando me convencer a virar vegetariano quando tudo que se passava na minha cabeça era diversos hambúrgueres gordurosos com a carne malpassada.
Minha boca salivou.
— Droga, nem posso criticá-lo por isso.
— Deve doer se sentir empática por mim.
Devorei a fatia o observando com seu braço apoiado no sofá e as pernas estiradas no chão.
— Dói ainda mais pensar que o Elliot quer ir devagar. Não preciso que ele vá devagar para que eu me sinta especial. Quero tudo, preferencialmente bem rápido.
Derian se engasgou precisando tossir algumas vezes antes de falar.
— Por que a pressa? — ponderei, dizer que queria saber como funcionava certas experiências era como pedir para que ele tirasse sarro de mim pelo resto da vida.
— Coisa minha — fui sucinta. O olhar duvidoso de Derian ainda pairava sobre mim.
— Sabe, talvez sua fantasia de garotinha perfeita o tenha assustado — comentou. — Assim, completamente desgrenhada, com seu rostinho rosado sem a maquiagem, o short curto, e claramente sem sutiã, seria difícil ele não atacar você — disse largando o garfo no prato. — Está irritantemente atraente.
Meu coração deu um salto e sabia que naquele momento meu rosto havia adquirido um novo tom de rosa.
— É a segunda vez que me elogia esta noite — apontei. — Deveria me preocupar?
Derian empurrou para longe a caixa de pizza que estava entre nós.
— Venha aqui — mandou. Permaneci no mesmo lugar. — Eu te desafio — disse, e como esperado, engatinhei até ele.
— Derian? — fiquei sentada sob os joelhos. Ele não disse uma palavra enquanto levava as mãos a minha cintura me puxando para si, cada perna minha institivamente ficando em cada lado de seu corpo.
Há poucas horas havia saído com Elliot, ele era bom e gentil, o oposto de Derian, ainda assim, era nele em quem eu estava sentada de maneira bastante insinuativa.
Assim que seus dedos adentraram minha camisa, acariciando minhas costas com suas grandes mãos, temi por como aquela noite terminaria.






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