O Borralheiro Anão

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Eu trabalhava na Espiral desde meus cinco anos. Meu pai era faxineiro, e eu herdei a mesma profissão. Era um serviço digno e invisível, as pessoas não me viam ou fingiam não ver, principalmente na Espiral aonde se encontravam as pessoas mais importantes de Ligencia. Eu gostava muito disso, já que sempre fui muito vergonhoso.

Eu estava no penúltimo andar, limpando o banheiro do Alto Magistrado, quando ouvi a risada alta e alegre do Alto Policial seguido do próprio Alto Magistrado.

— Eu pensava que esse dia nunca chegaria. — Gritou o Alto Magistrado chutando seu kappa que caiu de cara no chão de pedra, eu me encolhi de medo, já senti a bota dele nas minhas costas. — Conseguimos prender aquele merda do Cristóvão e de quebra resolvemos o mistério sem aquele arrogante do Conrado.

Eu olhei pela fresta da porta do banheiro para ver se havia alguma saída. Mas o Alto Policial bloqueava a porta. Lesmir estava tão pomposo que não fez esforço em fingir simpatia ao Alto Magistrado.

— Você teve muita sorte. — Disse o Alto Policial se servindo de uma taça de rum amargo, eu havia acabado de limpar os cristais. — Agora não tem ninguém para te chantagear pelo que você fez e com isso é bem provável que você volte a ser um dos Doze. — Ele sorriu diabolicamente para Meguera. — Eu quero a minha promoção para Alto Juiz de Teran e quero controle total sobre os internatos de Tecnomagia.

Sir Nicolaj Vargo azedou o rosto e alisou a barba, enquanto Ismir seu totem esquentava a fogueira com o rosto todo vermelho e inchado.

— Só espero que você seja cauteloso com suas atividades. — Sorriu arreganhando os dentes. — Separe alguns garotos para mim, já enjoei dos moleques da escola daqui.

Eu pensei em pedir licença e sair correndo dali fingindo que não ouvi nada, mas sabia que aqueles dois não aceitariam e me matariam rapidamente, não seria a primeira vez que alguém morria misteriosamente. Minha garganta se fechou e eu senti minhas pernas amolecerem de medo. Nada que eu dissesse seria acreditado, eu era um nada e um deformado.

Meu totem, um ajuba-aburé pequeno, limpava delicadamente o vaso sanitário, ele era minha única família, então resolvi ficar quieto e tentar fazer um feitiço de invisibilidade, que era minha especialidade.

— Transparência. Reflexo. Camuflagem. — Sussurrei bem perto do meu anel mágico de coração de Caipora. — Oculto.

Era para uma pequena camada líquida mercurial cobrir meu corpo e do Dodolo, mas não aconteceu nada, o que me deixou com mais medo. Eu só desejava uma oportunidade de poder sair correndo, só que eu já estava condenado. Eu ia morrer e pior, Dodolo também.

Um rugido grave reverberou abaixo do escritório onde ficavam as masmorras. Lesmir e Sir Nicolaj derrubaram suas bebidas.

— Não tem como ele fugir, não é? — Perguntou o Alto Policial visivelmente abalado.

— Fique tranquilo pançudo, estamos nos últimos andares da Espiral, a magia às vezes não funciona aqui. — Se recompôs o Alto Magistrado relaxando na cadeira. — Nem os Doze têm poderes aqui, eu reforcei os encantamentos de anulação de magia arcana e enchi de runas criadas por mim, e depois do cassete que demos no Noar, ele vai ficar apagado por dias, é só o dragão dele gritando.

Ismir, o kappa, puxava o terno de Sir Nicolaj como se quisesse avisá-lo de algo, mas o Alto Magistrado bateu a cabeça do totem na mesa desmaiando-o.

— Bicho irritante, não serve para nada. — Gritou chutando o corpo mole do kappa. — Eu sou o único que pode fazer magia aqui.

Outro rugido ecoou mais perto e mais grave. Eu me agachei junto do Dodolo e fiquei olhando para o escritório. Uma névoa preencheu o ambiente e sons de galhos quebrando, e de choramingos se aproximavam do elevador de entrada.

PSICOMALWhere stories live. Discover now