22- O GROTESCO (Parte II)

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Cortei a garganta de Robert. Depois, retalhei a carne de seu pescoço. Continuaria com a carnificina até fazê-lo em pedaços se não fosse a exaustão de permanecer voando. Segurei o cadáver com firmeza e subi para o segundo convés. Então arrastei ele até uma extremidade completamente escura onde parei para descansar. 

Eu são sabia ao certo como voltar à minha forma normal, mas a vontade de esquartejá-lo passou de repente. Sem energia para pensar com clareza, arranquei o colar de Thomas de seu pescoço e o vesti em meu corpo monstruoso.

— Romeo? — Zenit havia me encontrado e se aproximava guiado pelo barulho causado pela minha respiração. — É você, não é? — Ele estava com medo. Era plausível.

— Sim, sou eu. — Sussurrei em voz grave. Esquisito. Eu sempre quis uma voz grave como a de Zenit ou Thomas, mas agora que tinha, sentia falta de minha voz antiga. No fim das contas, a graça estava na firmeza com a qual as palavras deles eram proferidas.

— Como você fez isso? Por que nunca me falou antes? — Ele perguntou, finalmente chegando até mim e esbarrando no cadáver encharcado de sangue. — Não importa agora. — Mudou de assunto. — Vamos ficar com essa cabeça e dar o fora daqui. Eu estou fraco. Precisarei da sua ajuda.

Zenit decapitou Robert com a espada e subimos juntos para o primeiro convés. "Ainda bem que não danifiquei o rosto", pensei. Aquilo ainda devia valer algum dinheiro. Temi que fôssemos mortos pelos invasores assim que pisássemos em área visível. Frente à visão da cabeça de Robert, entretanto, a multidão ficou instantaneamente desanimada.

"Robert está morto", a notícia se espalhava e dispersava a aglomeração. Como eu imaginei, ninguém ali o protegia por vontade própria. Lutavam pelo dever, pelo medo, ou pela promessa de um bom pagamento. Com a morte do capitão, nenhuma dessas coisas fazia sentido. Não valia a pena se meter com um mágico e um monstro sem a certeza de ser recompensado.

Os homens de Robert haviam guiado o nosso navio para o porto novamente. Precisávamos fugir. Zenit me segurou por uma das patas e nos deixou leves o suficiente para flutuar.

— Napoleão! — Zenit gritou, repentinamente lembrando da existência do porquinho.

Para nossa felicidade, ele veio correndo de seu esconderijo no meio dos barris vazios e, antes que pudesse perceber a bizarrice de minha forma, o agarrei firme contra o corpo. Zenit me largou, fez um cafuné em Napoleão, e então passou a cabeça para a mão esquerda. Com a direita desembainhou a espada e a estendeu em direção a todos presentes. 

Aquilo era um desafio para duelar, direcionado a qualquer um que quisesse vingar a morte de Robert. Ao começar a flutuar acima do chão, entretanto, Zenit desanimou quem quer houvesse reunido coragem o suficiente para tentar. Esperou até que estivéssemos mais de três metros acima do mastro principal para começar a falar.

— Eu, Zenit Polar, matei o tirano Robert. — Ele usou suas últimas forças para projetar a voz, quase gritando. Então, levantou a cabeça, a qual segurava pelos cabelos cor de fogo. — Alguém se opõe? — Fez um último movimento com a espada, de finalidade interpretativa. O silêncio era total. — Ótimo! — Ele gritou. — A todos que estiverem interessados em seguir um capitão justo e definitivamente capaz de proteger a sua tripulação: me encontrem na Taverna Roxa, na Ilha Flora, daqui a quatro semanas. Estarei recrutando! — Finalizou com um sorriso antes de guardar a espada mais uma vez.

O caos tomou conta do porto de Sol. Alguns gritavam em êxtase, comemorando a morte do ruivo. Outros praguejavam frustrados. Ninguém parecia chorar, mas uma pistola atirou em nossa direção, errando por pouco. Poderia alguém realmente nutrir sentimentos por aquele canalha?

Subimos por muito tempo. Até que fosse impossível distinguir o rosto das pessoas lá embaixo. Então Zenit se sentiu confortável para largar a postura de vitória e soltar um grito de dor.

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