Meu Nome é Camila

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  Camila observava seu smartphone, tentando uma conexão com o fraco sinal de Wi-Fi. No fundo, sabia que era perda de tempo, mas tinha uma leve esperança de conseguir. Ela ouvia o som do System of a Down no último volume pelos fones de ouvido, quando percebeu a silhueta de dona Maria em sua frente.

  — Larga esse aparelho, garota! Estamos num lugar fantástico, você não consegue nem aproveitar um pouco?

  Camila conseguiu ouvir apenas o final da frase depois de abaixar a potência do som, mas pôde desconfiar do contexto.

  — Eu tô aproveitando sim, vó. Só quero conseguir algum sinal de internet para postar uma foto — respondeu ela, em tom de desculpa, tirando os fones. — Achei que o sinal do navio podia chegar até aqui.

  — Acho que não, este barco está muito longe do navio. — Dona Maria olhou em volta. — Nem dá para enxergar ele daqui.

  Camila olhou ao redor e percebeu que a avó tinha razão. Não havia nenhum sinal do transatlântico a bordo do qual viajavam, apenas a imensidão do mar azul por todos os lados. Elas haviam desembarcado do navio e estavam numa embarcação menor, que trazia passageiros até uma parte muito peculiar do Oceano Atlântico.

  Camila já estava colocando os fones de novo quando a avó ralhou com ela novamente.

  — Presta atenção nas explicações, menina. Você precisa ser menos fissurada nesse celular.

  Camila soltou um suspiro e deixou os fones soltos no pescoço. Ela não queria se indispor com sua vó, a única pessoa no mundo que ao menos tentava entendê-la.

  A garota tinha dezesseis anos e havia nascido em Havana, Cuba. Era magra, com longos cabelos escuros, encaracolados, e olhos castanhos um tanto melancólicos. Era muito bonita, mas acabava chamando atenção por seu estilo, que não agradava a todos: adotara um estilo gótico desde a morte dos pais, num acidente de carro, anos antes. Sempre usava maquiagem pesada, com um batom vermelho e os olhos pintados de preto. As roupas eram escuras, na maioria das vezes de couro. Qualquer um que não a conhecesse imaginária logo se tratar de uma garota sem juízo.

  Mas ela estava longe de ser desajuizada e nem ligava para esses esteriótipos, assim como dona Maria, que acompanhara de perto o sofrimento da neta após a morte dos pais. Haviam sido anos turbulentos para a garota.

  O visual sombrio acabava eclipsando a verdade. Ela era uma garota responsável, educada, atenciosa, além de ter uma inteligência muito acima da média. Mas também tinha um temperamento forte e não aceitava desaforos, sobretudo os relacionados à sua aparência. Nos quatro anos que morava com a avó, tinha se envolvido em confusões em meia dúzia das ocasiões. Numa delas, esbofeteara um garoto no meio da sala de aula por ele a ter chamado de bruxa.

  A moça decidiu prestar atenção às explicações do guia turístico.

  — A expressão Triângulo das Bermudas foi usada pela primeira vez num artigo da revista Argosy escrito por Vincent Gaddis em 1964. A mesma expresso depois foi usada pelo autor no livro Horizontes invisíveis: os verdadeiros mistérios do mar — contava o rapaz. — Conforme expliquei antes, o episódio conhecido como "Desaparecimento do Coronado", em que mais de cento e vinte brasileiros desapareceram e cujos corpos jamais foram encontrados, fez com que as autoridades da Otan criassem a zona de exclusão que estamos vendo agora. A recomendação de que nenhuma das embarcações entrasse nessa área diminuiu drasticamente os eventos relacionados ao Triângulo, porém não totalmente. As menos quatrocentas pessoas sumiram por aqui desde então. E as pesquisas que tentam explicar os desaparecimentos continuam.

Os Filhos da Tempestade - CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora