34 - Imagem de família

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— Senhorita Castillo? — uma mulher de meia idade bate na porta do quarto que estávamos.

Mais uma vez, eu acompanhava Sophia em um hospital, porém dessa vez, incerto com os acontecimentos que vi. Igual a morena, que desde que fora atendida e medicada, não abrira a boca.

Isso chama sua atenção, tirando seu olhar de nossas mãos entrelaçadas e encarando a mulher. A senhora carregava consigo um sorriso tristonho, quase como um consolo. Seu olhar me pareceu um aviso de suas próximas palavras seriam importantes, então eu também passei a prestar atenção.

— Já faz três horas que a senhorita está aqui e somente agora seus exames foram finalizados. — ela aperta os lábios, olhando profundamente nos olhos de Sosie. — A senhorita sofreu um aborto espontâneo causado pela má formação do feto de dezesseis semanas e... — a mulher se atenta ao olhar incrédulo da garota, que por agora apertava minha mão fortemente em busca de conforto. Céus. — Oh! A senhorita não sabia da gravidez. — seu olhar se transforma em acolhimento. — Bom, não é a melhor forma de descobrir, eu lhe garanto. Porém saiba que se isso não tivesse acontecido, a senhorita ou o bebê poderiam sofrer muito mais no futuro. — ela olha para sua prancheta. — Você terá alta daqui dois dias, enquanto isso, será checada frequentemente por enfermeiros. É normal o sangramento e caso sinta alguma dor, chame algum enfermeiro.

E evitando causar mais algum impacto na garota, que ainda se encontrava estática, a senhora sai me lançando um olhar de pena, no qual eu agradeço.

Movo meu olhar para Sophia, encontrando os olhos castanhos focados na parede e totalmente inundados de lágrimas.

Eu não tenho coragem de falar nada. Assim como ela não se mostra interessada em ouvir, por isso me sento na cama ao seu lado. A puxando para o meu peito, na onde ela soluça, permitindo o choro escapar da sua garganta.

Esses últimos três meses Sophia esteve grávida. Na sua própria correria ela carregava com si um bebê no qual ela nem mesmo imaginava, o fruto de um relacionamento tóxico onde eu tenho certeza que nenhum dos dois esperava por isso.

Era inacreditável pensar tudo isso.

Mais inacreditável ainda perceber que em nenhum momento Sophia deu a entender ter sintomas extremamente perceptíveis. A cada dia que passava ela gerava uma criança. Uma criança nem um pouco sonhada!

Ela me contara sobre Petterson um tempo atrás, admitindo que nunca o amara e só estivera com ele por pura diversão, uma no qual a fez tão mal quanto uma prisão. E agora por um triz ela teria de viver com um fruto dessa relação.

Que Deus me perdoe, mas o fato disso ter acontecido somente preveniu todo o escândalo que o idiota faria caso descobrisse.

Imagine como seria, Petterson entra na justiça causando um estrago psicológico para Sophia, que com certeza não teria garra o suficiente para negar seus pedidos e assim faria tudo o que ele pedisse.

Céus, isso daria um trabalho tremendo.

Acima de tudo, sua dor era entendida. Por mais que ela nunca ao menos tivesse pensado sobre, ela perdeu um filho. Um ser humano que por três meses era gerado no seu ventre.

A partir de agora, eu deveria estar ao seu lado em todos os momentos.

Sophia chorou, muito, muito mesmo. Tanto que adormeceu em meus braços e eu tive que deixá-la dormindo para respirar ar puro.

Eu estava com medo.

Medo de não saber lidar com os próximos dias. Era óbvio que como a única família por perto, eu teria de ficar ao seu lado. Não reclamava, mas temia.

Quando eu voltei horas depois, a Sophia acordada não falou nada, assim como no dia seguinte. E no próximo. E três dias depois. E cinco. Ela passou cinco dias no completo silêncio, somente murmurando coisas extremamente necessárias e mexendo a cabeça.

Ela passava a maior parte do tempo deitada, encarando o teto. Sem vontade de comer e sair da cama. Foi difícil. Eu tentava chamá-la, mas ela nem mesmo se movia. Um dia, Cecília se trancara com ela no quarto, mas ela voltara meia hora depois com um olhar decepcionado. Eu e os meninos tentamos cantar para ela, porém ela se cobriu com o edredom, mostrando que nem mesmo a música na qual ela começava a apreciar, ajudava. Sua mãe ligava o tempo todo, mas ela sempre balançava a cabeça em negação assim que ouvia a voz da mexicana. Meus pais e minha avó também tentaram, mas a reação foi a mesma.

No sexto dia, eu acordei com a falta da sua presença na cama, já assustado com o que poderia ter acontecido, mas eu a encontrei sentada no balanço em frente à parede de vidro.

Com passos cuidadosos, eu me dirigi até ela, agachando-me a sua frente para ver sua feição.

Comparada aos outros dias, estava mais leve, o que causou certo alívio em meu coração. Nessa hora, ela olhou em meus olhos. Após seis dias, eu pude encontrar propriamente aqueles olhos castanhos que antes brilhavam, mas agora estavam opacos.

Ela sorriu fraquinho, na onde eu acompanhei.

— Eu... me perdoa. — ela sussurra, sua voz tão rouca que poderia ser confundida por um resfriado.

Eu novo a cabeça para os lados.

— Não tem do que se desculpar.

— Eu fui tão egoísta e... — a interrompo, segurando sua mão.

— Sophia, você estava sofrendo. Superando. Está tudo bem. Eu só quero te ver bem. — argumento, olhando em seus olhos, que por agora começavam a ficar úmidos.

— Eu perdi meu filho, Joel. — ela murmura com a voz de choro permitindo suas lágrimas escorrerem.

Ela circula seus braços ao redor do meu pescoço, abandonando o balanço e se aninhando em meu colo.

— Shhh. — minhas mãos apertam o seu corpo, quase a fundindo em mim. — Vai ficar tudo bem, Sosie.

— O meu filho, Joel. — ela sussurra, com a voz trêmula. — Eu nem o conheci. E eu o perdi. Eu sou tão horrível.

Ouvindo suas palavras eu afasto seu rosto do meu pescoço, segurando-o com as minhas mãos bem próximo a mim.

— Nunca mais repita isso. — eu uso o meu tom mais severo e apropriado para o momento. — Não foi culpa sua. Não se culpe por isso.

Ela aperta seus olhos ainda mais, chorando.

— Pete, ele.... ele sempre disse que crianças eram horríveis. — ela funga, ao mesmo tempo que falava. — Eu não consigo evitar pensar que isso fora uma maldição por ter ficado com aquele ser humano. Ela fora tão desprezível quando se tratava de criar uma família, dizia que filhos só atrapalhariam uma relação. — ela abre os olhos, me vendo prestar atenção. — Mas eu sempre sonhei em ser mãe. — ela ri com dor. — Eu gostava de quando a gente brincava que a gente tinha filhos. Essa sempre vai ser a minha imagem de família, Joel. Nós e uma boneca. Perder essa criança me faz pensar que eu nunca mais vou viver esse sonho, nem mesmo com você.

Eu sorrio de lado, compassivo.

— Não misture as coisas, linda. Eu não sou Petterson, assim como você não é a mesma que era com ele. Nós vamos ter filhos sim. — ela ri ainda chorando. — E eles vão se chamar Diego, Tiago e Inês. Assim como a gente sempre brincou.

Isso a desata a chorar ainda mais e eu confesso que pensar nisso me fez chorar junto dela.

— Eu te amo tanto, Joey. — ela volta a me abraçar.

E sentindo o seu cheiro, enquanto minhas próprias lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto, repito a minha frase favorita:

— Eu amo você, Sosie. Para sempre.

Sólo YoWhere stories live. Discover now