Carregando Pedras

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Ah! Quem me dera que todos os meus sonhos fossem proféticos como este que agora revelarei. Uma grande dúvida me acompanhava sobre a questão do perdão, minha religião diz que é preciso perdoar, mas em meu coração tenho tanta dificuldade de fazê-lo, cada vez que vejo a pessoa que julguei ter errado comigo, minha memória ficou remoendo o fato até que mesmo sem querer acabo hostilizando-a.

No meu sonho estamos sentados numa pedra, eu e um homem de bastante idade, com barbas longas e brancas e uma túnica também branca. Seus olhos eram de um azul intenso que parece nos sugar para dentro, tinha um olhar de sabedoria que parecia concentrar em si todo o conhecimento do Universo. Mesmo sem perguntar nada ele olhou para mim e perguntou: Que queres saber?

— Queria entender o perdão? Juntos nós nos erguemos.

Havia uma estrada de terra reta em que o olhar se perdia.

— Vê aquela carriola?

— Sim.

Tome-a e então caminharemos. Não sei o que isto queria dizer, mas assim o fiz. Começamos a caminhar ao longo da estrada, e ele caminhava em silêncio como quem estava pensando no que dizer, mas não dizia nada.

Depois de alguns bons metros ele me olhou e falou:

— Pegue esta pedrinha e coloque na carriola, eu coloquei. Enquanto ia caminhando, imaginava o que isto queria dizer. Um ancião ao meu lado que eu não conhecia, uma carriola vazia com apenas uma pedrinha dentro?

— Pegue esta outra pedrinha. Peguei!

— Esta outra maior. Peguei e coloquei junto. Assim fomos ao longo do caminho colocando pedras de todos os tamanhos.

Chegou uma parte da estrada que era levemente inclinada, e como eu já estava com a carriola cheia comecei a suar e diminuir o ritmo, até que parei para descansar. Cansado e frustrado por até agora não ter uma resposta eu perguntei:

— Se não puderes me responder não precisa, acharei outro que possa! Vou-me embora agora mesmo! Ele me olhou ternamente e falou:

— Vamos descansar naquela pedra ali, na beira da estrada. Fomos até lá e sentamos, ele tirou um cantil cheio de água fresca, a água mais saborosa que já tomei na vida! E me disse:

Veja esta estrada que nós caminhamos, ela é como nossa vida, às vezes longas às vezes curtas, tem momentos de subida ou então de reta, mas tem também descida! A carriola é nossa própria vida que temos que conduzir. É bem mais fácil conduzir um carrinho vazio, mesmo que ele já tenha seu próprio peso. As pedras que eu pedi que você fosse carregando ao longo do caminho, representam os pecados que você não perdoou. As perdas que você não aceitou. As pedrinhas pequenas representam pequenas perdas, pequenos pecados, para as médias e as grandes valem o mesmo raciocínio. Uma carriola que vai acumulando pedras vai ficando difícil carregar, por isto a partir de agora é preciso ir jogando as pedras para diminuir o peso senão você para! Cada pedra do seu caminho tem um nome ou um fato representado. Cada vez que você perdoa jogará a pedra que a representa.

— Eu poderia jogar as maiores pedras, assim eu diminuiria bastante meu peso!

— Não é possível jogar as maiores, pois o perdão vai começando pelas pequenas coisas, se não fores capaz de perdoar as pequenas coisas o que dirá das grandes! O perdão é um exercício diário que lhe trará paz e saúde e que só você pode dá-lo.

Enquanto eu estava refletindo, olhei do meu lado e não vi mais nada. Estava só sentado numa pedra com um cantil na mão e uma carriola cheia de pedras em minha frente. Quando acordei lembrei-me nitidamente do meu sonho. E já comecei a procurar as pedrinhas que eu devia jogar fora da minha carriola.


A Saliva do DragãoWhere stories live. Discover now