Prólogo

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Tiros, porrada, gritos e sangue.

Esse é o clássico resumo da vida de alguém em uma facção. Ainda assim, no final, tudo sempre resume a estar largado, semi-morto, entre duas grandes caçambas de lixo, durante uma conveniente tempestade, bem ao lado de uma confeitaria barata e sobre a qual ninguém nunca ouviu falar.

Eu suspirei, quase rindo da minha sorte. Quem diria que eu acabaria dessa forma? Fechei os olhos, um tanto letárgico, mas já aceitando meu destino.

"Você está bem?", foi o que aquele par de olhos esverdeados, preocupados, perguntou para mim. Vi que segurava um guarda-chuva translúcido sobre a minha cabeça com uma mão suja de farinha e açúcar.

Tentei, mas não consegui dizer nada àquela pessoa, que me encarava silenciosamente, esperando de mim uma resposta.

Eu não sabia se era o cheiro adocicado de infusão de frutas vermelhas ou alguma reação à porcaria do corte que eu havia recebido, apenas sabia que eu estava sentindo meu corpo aquecer em meio àquele frio.

Soltei um rosnado de dor ao me mexer, minha consciência parecia ter se esquecido de que eu ainda estava machucado e sangrando. Senti meu corpo arder e pesar, mesmo assim teimei em alcançar aquela jóia à minha frente.

Eu tentei.

E não foi o suficiente.

Nunca é.

I

Acordei assustado, arfando e suando. Meu corpo dolorido estava completamente enfaixado sobre uma cama macia e quente, a qual obviamente não era a minha.

Olhei ao redor vagarosamente em busca dos meus pertences, mas não encontrei nada a não ser mobiliários comuns de quarto.

Havia, além da cama, um longo tapete felpudo, esse se estendia até um guarda-roupa. Também tinha uma janela gradeada e uma escrivaninha com estante, cheia de livros distintos e desorganizados. Por fim, ao meu lado, notei um kit médico aberto em cima dum criado-mudo.

Quando tentei me mexer, meu corpo doeu e me senti enjoado, meu estômago se revirava e minha visão nublava. Não me lembro com exatidão do que aconteceu antes de eu chegar a essa cama, apenas de flashes e ruídos que faziam minha cabeça doer.

Quando dei por mim, já havia desistido de me levantar, possivelmente Peter me resgatou de alguma confusão e me trouxe a um de seus esconderijos. Esse era um jovem de muitos segredos. Então, fechei os olhos e tentei descansar.

— Você está bem? — Novamente, ouvi aquela voz preocupada, que vinha muito acompanhada de um cheiro doce de frutas vermelhas, e só pude sentir meu corpo reagir automaticamente, irracionalmente.

Abri os olhos rápido e tentei me levantar, mas fui impedido por uma mão gentil, que me deitou na cama novamente, e percebi ser esquadrinhado pelas íris verdes. Pareciam tristes. Por que estavam tristes?

— Onde...? — tossi e pus as mãos sobre a garganta, a sequidão machucava minha traquéia sempre que eu tentava falar.

— Pegue, beba um pouco de água — falou, aflito.

Só então notei que a pessoa à frente tinha mais do que belos olhos verdes. Suas mãos bronzeadas e delicadas seguravam um jarro cheio de água, elas entornaram-na sobre um copo de vidro e logo se estenderam em minha direção, entregando-me o recipiente. Não hesitei em tomar, apenas bebi de uma vez, em longas goladas.

Ômega (Andamento)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora