I

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Senti uma intensa sede ao acordar. Desta vez, eu conseguia me mexer melhor. Então, me sentei e servi minha própria água.

Olhei ao redor, procurando pelo jovem, gostava de ouvi-lo falar sobre assuntos os quais nunca estudei em minha vida, sua voz agradável ainda retumbava tópicos acerca de biologia e história.

No entanto, o quarto andava silencioso e solitário ultimamente.

Após o acontecimento do dia anterior, o jovem, cujo nome descobri ser Kile, não se mantinha no local por muito tempo, sempre dizia precisar se ocupar da própria loja, vez ou outra trazia lanches e me perguntava como eu estava.

Mas, da mesma forma como vinha, ele ia.

Tentei me colocar de pé, e senti uma fisgada na minha coxa que quase me fez mudar de ideia. A marca do corte ainda era visível por debaixo dos pontos. Teria sido fatal se tivesse acertado uma artéria. Mesmo assim, eu continuava sentindo as consequências nada agradáveis da lesão.

De todas as formas, não é como se eu não tivesse passado por situações piores.

Me apoiando sobre os móveis, fui andando rumo à porta. Já próximo, a vi sendo aberta de supetão e me deparei com o jovem loiro que cuidava de mim tão surpreso quanto eu.

Olhos arregalados, boca aberta e face pálida. Digno de um filme de terror.

— O que você está fazendo em pé? Era para você ficar na cama, deitado, em repouso — repreendeu-me.

Insinuava com o olhar que iria me agredir se eu não voltasse para a cama imediatamente.

Ora me fitava; ora, a cama.

E eu ri.

Aquela pessoa não tinha medo de mim, não fazia ideia de quem eu era ou do que eu era capaz de fazer. Isso me trouxe uma sensação reconfortante que senti poucas vezes. Um olhar daqueles não me assustava; pelo contrário, me fazia sorrir. Mesmo assim, eu obedeci e voltei à cama, mas, desta vez, eu apenas me sentei e esperei.

— Você não me respondeu. O que estava fazendo em pé? — questionou, colocando uma mesa portátil sobre o meu colo e, logo em seguida, um prato de comida.

— Eu estava indo atrás de você — rebati, esperando-o pôr o que parecia ser lasanha à bolonhesa.

— De mim? Você precisa de algo? — indagou, rapidamente o loiro começou a ficar aflito. Encarou onde estava a minha ferida e perguntou: — São os pontos? Eu não...

— Não. Não são os pontos. Eles estão bem costurados — respondi com calma, o tranquilizando.

— Então? Por qual outro motivo você estava perambulando? — questionou, insistente.

Seu corpo parecia mais relaxado após eu tê-lo dito não ser sobre o ferimento, mas eu ainda conseguia ver certa hesitação em seu olhar. Isso fez eu me sentir culpado. Naquele momento, eu parecia um completo egoísta. Não que eu não fosse — eu era —, mas a situação em si embolou meu estômago. Eu desejava perguntar quem ele era para simplesmente sair do quarto todas as vezes em que eu tentava falar com ele.

Era o que eu queria inquirir, mas não foi o que eu consegui dizer na hora.

— Em quanto tempo eu irei melhorar? Eu gostaria de voltar para a minha casa o mais rápido possível. Eu tenho muito trabalho a fazer. Sabe como é, né? Prazos, fechamentos, chefia — comentei, coçando a nuca de forma desleixada, desviando o olhar.

Eu não poderia simplesmente exigir sua presença, sequer tínhamos intimidade, tampouco nos conhecíamos o suficiente para tal.

Mas, principalmente, eu não poderia me envolver com alguém assim. Não novamente.

Ômega (Andamento)Where stories live. Discover now