PRÓLOGO

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1896 — 13 ANOS ANTES.

O verde do campo flamejava o solo da cidadezinha de Saquarema. Era vasto, cristalino: iluminava a vista da natureza e do céu deslumbrante que decorava a propriedade dos Souza's.

A fábrica Café do Campo — principal e mais bonita vista desta propriedade, foi fundada em 1798 por Juscelino de Souza. Graças às exportações de café nos portos do Rio de Janeiro e no Vale do rio Paraíba, a fábrica cresceu e se enriqueceu, vindo a ser a marca transcendental da cidade carioca até hoje. Com o passar dos anos, a fábrica caiu nas mãos de Álvaro de Souza, tornando-se o maior promissor do seu crescimento desde que assumiu o Café do Campo.

O motivo? Seus valores e, muito acima deles, a família. Sua maior preciosidade.

A grama quente poderia vir a ser razão da correria de suas duas filhas pela vasta propriedade, mas não há criança que se importaria com o calor quando a real preocupação era brincar de correr pela maior parte do tempo permitido. O clima abafado se intensificou depois da forte madrugada de chuva, mas... Não incomodava-as, certamente. Em determinados momentos, o solo desnivelado não permitia que elas corressem muito, com galhos e arbustos agarrando os respectivos vestidos longos e bufantes. Estes sim, eram quentes de incomodar.

Pareciam conspirar contra a fuga da menina que estava sendo capturada pela outra.

Venha aqui, Evelyn! Não fuja de mim...! — A mais velha esticava a mão para alcançar o tronco da menor. No entanto, por ter os pés mais velozes e firmes, a caçula se desvencilhou. — Me dê essa flor! Eu quero essa flor!!!

A caçula ergueu o vestido até os joelhos, se desviando como podia, os cabelos castanhos dourados tão cristalinos quanto o reflexo daquela grama chicoteando o rosto, atrapalhando um pouco a visão. Gotículas de suor começaram a brotar próximo às raízes do couro pelo esforço dela...

Então, a saia bufante enroscou num arbusto, e a mais velha capturou não apenas a irmã.

Mas a rosa que ela, feliz, tinha colhido.

Me dê isso...!!! Puxou, e as pétalas aveludadas se desfizeram entre os dedos num vai e vem lento e caído.

Não...! Não, Maitê! Por que fez isso? Eu colhi ela... — Evelyn lutou, implorou, mas era tarde. A flor, destruída, se tornou propriedade da primogênita que a tomou a força.

Mas eu disse que queria, e você tinha que me dar!

Não...! Eu não tenho que te dar ela, nem nada!

"Não briguem e tão pouco vão para a estrada, Maitê. Você é a responsável das duas."

Eram ordens simplórias para uma criança crescida obedecer. Maitê era a primogênita, afinal: tinha a obrigação de ter cautela e responsabilidade com a caçula quatro anos mais nova.

"Não briguem."

"Tão pouco vão para a estrada."

A estrada era vista agora, não a grama quente. Uma vista lamacenta.

E, para Evelyn, dolorosa.

Ela nem teve tempo de prever: quando menos esperava, Evelyn sentiu o peito ser violentamente empurrado para trás. Foram as duas mãos abertas que colidiram juntas, sem medir força, a força de irmã mais velha que devia proteger... Isso foi o que bastou para o pé de apoio tropeçar e não resistir.

Sua cabeça se chocou contra algo duro, enquanto instintivamente ela apoiava as mãos no barro molengo para tentar proteger o rosto. A dor se alastrou no pé levemente torcido até os joelhos e palmas agora sujas. As consequências da chuva da madrugada ainda não tinham diluído como deveriam, entrando também no complô do solo desnivelado.

Rosas da Noite | EDIÇÃO 2023 Where stories live. Discover now