CAPÍTULO TRÊS

5.3K 675 573
                                    

Eu nunca tinha visto a fábrica tão cheia como naquela noite.

O espaço que antes era grande, se tornou apertado com a quantidade de pessoas que se aglomeravam no grande salão. Os funcionários deixaram o ambiente livre das máquinas, de modo que a única coisa que se via eram pessoas em demasiado e uma grande plataforma no centro com músicos. Meu pai também ordenou para que a decoração se adequasse ao local com cortinas de carmim e muitas, muitas mesas.

Parece que toda Saquarema tinha se reunido aqui.

Nossos pais cumprimentavam muitos conhecidos que lhes prestigiavam pelo crescimento do Café do Campo. Principalmente papai, que além de agradecer os elogios, gostava de exibir sua inteligência com novos projetos e ideias para com a propriedade. Vê-lo assim, tão bem disposto, como se não tivesse recebido uma notícia aterrorizadora naquela tarde, me trazia uma onda enorme de alívio.

Eu e Maitê tínhamos parado próximas à uma mesa no canto interior do salão, e não pude deixar de correr os olhos até aonde meu pescoço permitia. Enxergava quem quer que fosse, mas Diego não estava em parte alguma. Porém, encontrei minha amiga caminhando na nossa direção com um sorriso maior que o rosto.

— Evelyn, nunca tinha visto isso aqui tão cheio! — Assim que me alcançou, agarrou minhas mãos como se assim pudesse não se perder. Minha irmã revirou os olhos. — Seus pais sabem fazer uma festa.

— Eu vou pegar uma bebida. — Maitê se afastou tão rápido quanto ficou ao meu lado.

Amanda fez uma careta engraçada.

Eu vou pegar uma bebida. — Sua voz se aproximou da de Maitê, e nunca vi uma imitação tão perfeita. Por pouco gargalhei alto. Era horrível seguir etiquetas em público. — Sua irmã não mudou nada, não é? O semblante asqueroso dela continua intacto.

— Não a deixe te ouvir — dei-lhe um sorriso travesso.

— Ela precisa encontrar um marido urgente — continuou. — Já era para ter encontrado.

Me lembrei da conversa que tivemos ontem a noite em seu quarto.

Talvez Maitê já tenha encontrado, mas não queria nos contar.

Era imprevisível.

— Me conte o que aconteceu no orfanato, semana passada. — Amanda perguntou eufórica, de repente, e eu observei seus olhos escuros. — Você tinha começado a dizer, mas não terminou.

— É verdade. Vou contar.

O orfanato Lar de Luz, para mim, foi a melhor e mais bonita iniciativa que papai teve aqui em Saquarema. Eu não tinha ideia do quanto precisávamos abrir essa instituição para as crianças pobres e carentes de família que perderam das mais diversas formas. O orfanato abriga treze crianças — até agora. Porém, na semana passada, algo inusitado aconteceu que nem mesmo eu tinha entendido em sua totalidade.

Henrique Moreira — sócio e administrador do orfanato, relatou que uma jovem de dezesseis anos foi encontrada em uma das ruas sem saídas de Saquarema, com roupas rasgadas pelo corpo e os cabelos desgrenhados. Fiquei horrorizada com o relato. Tentei convencer papai para deixá-la no Lar de Luz, mas tinha um porém: a moça era adolescente, muito maior do que as outras crianças hóspedes. Não éramos ajustados para abrigar adolescentes, a criança mais velha do orfanato tinha sete anos... Eu compreendia o receio. Por isso, sugeri que a abrigássemos enquanto uma solução melhor não for encontrada.

A jovem era bonita, de pele morena com cachos longos e rebeldes. Encantava até um canarinho com sua beleza, mas seu comportamento não dava espaço para ela, afinal. Era rebelde, autoritária, sem escrúpulos... Alguns funcionários do Lar de Luz querem desesperadamente que papai a expulse de lá.

Rosas da Noite | EDIÇÃO 2023 Where stories live. Discover now