CAPÍTULO UM

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Como o céu está lindo hoje, pensei, sentindo a grama aninhada debaixo de mim. Não era exatamente o céu limpo e um sol escaldante como todos costumavam achar bonito, mas... Era um dia fresco.

O vento balançou meus cabelos, soprando uma mecha castanha direto na boca. Eu a afastei, estremecendo de leve e passando os braços ao redor do corpo. As nuvens cobriam o pôr do sol, mas o espetáculo de cores quentes no contraste delas, brancas e pesadas, aformoseava o horizonte. Deus, essa era simplesmente minha hora predileta do dia.

O cachorro ao meu lado latiu uma vez, fitando-me com seus olhos escuros.

— Eu também acho muito bonito, Darcy. — Acariciei suas orelhas pretas e peludas. — Já virou hábito pararmos aqui, sim?

Ele latiu outra vez, botando a língua pra fora e correndo ao redor como se assim pudesse extravasar a empolgação. Era a especialidade dele. Acabei rindo quando Darcy rolou pela grama de barriga para cima.

Ele não era exatamente o mais atento dos cachorros, mas era um brincalhão muito esperto. E um grande amigo. Aparecera na minha vida cinco meses antes. Poucos dias após a inauguração do orfanato Raio de Luz de papai e outros dois sócios vizinhos, eu tinha resolvido dar um passeio para conhecer as crianças recém levadas para lá, e acabei perto da praia. O labrador estava ali, todo sujo de areia e com um sorriso engraçado. Incapaz de resistir, brinquei com ele e com os meninos por um tempo. Claro que Darcy me seguiu até em casa. Então, todas as manhãs o animalzinho voltava, me convidando para um passeio pelas redondezas até o orfanato, até que um dia decidiu não ir mais embora, para a minha alegria — e imenso desespero da minha irmã. Maitê não gostava de cachorros.

Nem de seres humanos.

Na verdade, eram poucas as coisas que Maitê gostava além dela mesma, melhor dizendo.

Mamãe também não foi muito favorável a ideia de ter um cachorro, mas meu pai conseguiu convencê-la, porque eu tinha me colocado a disposição de cuidar dele. Darcy era responsabilidade minha... Fazia parte da família, agora. Eu só precisava colocá-lo longe do quarto de Maitê, que ficava tudo bem.

— Senhorita Evelyn? — Chamou uma voz feminina levemente rouca. Estranhei um pouco, mas assim que me virei e encontrei o rosto ofegante de Laura, bastante vermelho, acabei sorrindo. — A senhorita... A senhorita precisa...

— Se acalme, Laura, respire um pouco...

— Tive que vir correndo, senhorita. — A governanta respirou acelerado, as bochechas mais acarminadas, e não consegui prender o riso. Darcy latiu ao meu lado como se estivesse sorrindo também. — A sua mãe mandou chamá-la. A srta. Maitê acabou de chegar.

Arregalei os olhos, puxando impulso para me levantar. Quase caí pelo peso que coloquei nas duas pernas, mas dobrei um pouco meu joelho esquerdo para sustentar o pé débil.

Minha irmã tinha passado uma temporada de três meses em Angra do Reis para concluir os estudos do francês. Meu pai não estava em condições de pagar uma viagem à França; as consequências da sua falta de ar recorrente exigiam uma atenção e cuidados extremos, segundo inúmeros médicos que tem consultado — isso graças a mamãe. Enquanto meu pai tinha essas preocupações, mamãe era talentosa em trazer soluções simples: ela soube que Angra era uma cidade com muitos recursos para o estudo do francês. Foi possível pagar uma viagem de seis horas de carruagem, instituição e bailes para que minha irmã aprimorasse a língua. E nossa tia Elmira, muito gentilmente, disponibilizou a sua casa para que se hospedasse por lá.

É claro que isso foi o que imaginei ser a totalidade das intenções, até ouvir uma conversa de mamãe com Maitê antes de partir. No assunto, nossa mãe ressaltou a importância de Maitê encontrar um pretendente rico, de sobrenome respeitado para se casar o quanto antes. Eu não acreditava que isso seria um árduo desafio... Maitê era bonita, tão bonita que chamava atenção até da mais alta patente da sociedade. Cansei de ouvir nas redondezas que ela era uma das moças solteiras mais disputadas de Saquarema.

Rosas da Noite | EDIÇÃO 2023 Onde histórias criam vida. Descubra agora