II

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Exatamente às dez e quarenta e cinco da noite, a janela do segundo andar foi aberta e uma garota deslizou pelas ramificações presas à parede até chegar ao chão em silêncio absoluto. Era eu, indo à Noite Das Bruxas.

Isso não é algo que se pense muito pra fazer, afinal. Porque se eu tivesse tomado um tempo para cogitar os perigos e as consequências disso, eu não estaria aqui.

Eu sempre fiz tudo nos eixos. Eu ia dormir quando as luzes do corredor se apagavam, eu colocava as roupas que mandavam e deixava minhas leituras de lado para ouvir minha mãe e suas amigas conversarem sobre a vida alheia. Mas, antes de me casar, eu precisava uma única vez ter uma experiência de total liberdade.

Eu não me arrependi quando saí de casa, nem com o vento gelado que assobiava ao pé do meu ouvido e fazia meus ossos tremerem. Pelas histórias de minha mãe, as pessoas que iam à Noite Das Bruxas admiravam uma criatura asquerosa que era superior a todos os seus subordinados e suas crianças desde cedo aprendiam suas crenças e não podiam negar ou se afastar de seus deveres. Parando para pensar, não era tão diferente do que acontecia dentro da igreja.

Qando estava chegando na praça, congelei. Eu não tinha parado para pensar no que faria assim que chegasse, porque não achei que fosse dar certo. Não sabia o que esperar, se veria sorrisos ou sangue, se gostariam ou não da minha presença ali, ou se acharia o louco que me mandou aquela carta.

Então, aconteceu uma explosão repentina de cores e vozes e passos fortes no chão como pulos animados. Aquilo parecia uma festa de verdade. Foi tomada por um excesso de animação que cruzei a esquina sem pensar. Estava me sentindo tão livre... Até ouvir um grito.

Não era de felicidade, era o grito estridente de dor de uma mulher enquanto dois homem lhe arrastavam pelas ruas, homens que eu tinha quase certeza que já tinha visto na igreja. Corri para o lado oposto deles, vendo a grande fogueira que minha mãe sempre falava, e uma mulher jogada ao seu lado sendo chutada nas costas por um homem duas vezes maior que ela. Estava tão apavorada que não vi quando uma mulher se aproximou e me puxou rapidamente para trás de um muro para me proteger.

- Você não é a filha do pastor!? - ela perguntou, como se fosse uma acusação.

Meu coração se partiu ao ouvir os gritos das mulheres e seus pedidos de ajuda, porque eu sabia para onde elas estavam indo: para a fogueira.

Eu estava no meio da inquisição. Que meu pai, com orgulho, comandava.

445 palavras

HeresiaWhere stories live. Discover now