IV

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O que Raine, a mulher alta e autoritária, me pedia era ainda mais complicado do que eu esperava, e minhas expectativas eram altas.

Eu sabia onde eu morava, sabia quem eles eram e o que faziam, mas não podia traí-los dessa forma. Para onde eu iria se eles não quisessem mais olhar no meu rosto?

Eu sabia o que acontecia com uma mulher de rua e que ninguém se importava com uma mulher quando ela já tinha perdido a reputação.

Eu fui-me embora, antes que o sol nascesse e notassem minha ausência. A moça gritava palavras ameaçadoras e diria que me faria arrepender se não as ajudasse, mas Raine só me olhava com os olhos enigmáticos. Ela parecia conseguir ler as pessoas. Mais que isso, parecia me entender.

Eu não era experiente em fugas, mas era experiente em fazer silêncio. De tanto escutar conversas atrás de portas e descer a cozinha para comer os aperitivos que minha mãe não permitia, eu sabia como passar despercebida. Pelo visto deu certo, porque minha mãe foi me acordar duas horas depois, com um sorriso no rosto.

- Estamos arrumando tudo pra sua festa, está lindo, June! - ela me disse, logo que abriu a porta. - Vem aqui, quero te mostrar algo.

- O quê? - perguntei, ainda sonolenta.

- Rápido, tenho que ir à cidade hoje com seu pai! - ela disse, casualmente, e meu estômago revirou com força. Eu sabia que estavam indo ver a Fogueira.

Aquilo foi suficiente para levar meu sono embora. Fiquei de pé em frente ao espelho, como ela mostrava, e esperei ela passar um batom vermelho sobre meus lábios.

- Sua tia te trouxe da França, não é lindo? Poucas pessoas usaram um igual.

Me admirei no espelho, como pouco fazia. Aquilo não me trazia nem um pouco de felicidade. Meu reflexo me lembrava a covarde que eu era, mas tentei sorrir, para não levantar suspeitas sob os olhos espertos de minha mãe.

- Você pode usar na sua noite de núpcias. Homens adoram um pouco de ousadia. - ela sugeriu, sorrindo. Tive vontade de vomitar.

- Mas mãe... A minha noite de núpcias precisa acontecer logo após a cerimônia de casamento? - perguntei. Ela pareceu receosa ao responder.

- Ah, filha... É o certo. É a forma de se mostrar entregue ao matrimônio e ao seu parceiro. Você com certeza vai querer quando chegar sua hora, não se preocupe. - ela disse, acariciando meu ombro.

- Mas e seu eu não quiser? Eu posso dizer "não", não é? - perguntei. Ela desviou os olhos para meu pijama, arrumando a gola da camisa. - Mãe? Eu posso dizer não a ele?

Mas não precisei que ela respondesse. Seu olhar, culpado e medroso, ao olhar para mim, foi a resposta. Voltei o olhar para o espelho, tentando não mostrar meu medo. Eu sabia que seria dele, sabia que usaria as roupas que ele comprasse e cuidaria de sua casa e seus filhos. Porém, eu não sabia que seria obrigada a fazer todas e quaisquer exigências de meu marido sem questionar. Eu não podia fazer isso.

- Mãe... - a chamei, baixinho. - Porque você vai à cidade hoje?

- Você sabe, filha, problemas do seu pai. Ontem foi a Noite Das Bruxas.

- Posso ir com vocês? Acho que está na hora de eu encarar isso e aprender algumas coisas com meu pai. - falei, meu tom parecendo incrivelmente verdade.

- Claro! Ele vai adorar saber disso! - ela disse e fez um carinho nos meus cabelos.

Uma vez, me disseram que uma mulher sozinha é uma mulher em perigo, e eu só estava acreditando agora.

586 palavras

HeresiaWhere stories live. Discover now