Liberdade Ameaçada

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A publicitária acordou sem despertador de um sono tranquilo e revigorante. Angalia, profissional que era, estava à sua espera na frente do hotel.

Arusi saiu dos portões da fábrica pontualmente às 10h. Estava sem o jaleco branco. Ele notou a sua "perseguidora" de longe. Cabelos soltos, vestido branco sem mangas com comprimento até o joelho. Estava serena. Diferente da primeira vez que em parecia uma louca. Ela acenou para o seu entrevistado.

Sentaram no banco do bar em que Angalia a esperou da outra vez. Banco de madeira simples, sem encosto. Cachorros perambulavam ao redor do bar esperando por sobra de comida. Pareciam alegres.

Carol explicou que a primeira parte consistia em fazer algumas perguntas sobre a sua vida e sua origem. A segunda parte seria a respeito de seu trabalho na Sassy e a terceira seria uma conclusão geral. Arusi concordou e Carol ligou o gravador de seu celular. Ela mal sabia que aquele momento marcaria o início de uma reviravolta em sua vida.

Arusi contou que era de uma aldeia do norte da Namíbia e que aos dez anos se mudou para Windhoek. Veio à casa de seu tio para que pudesse estudar em uma escola melhor. Sendo o único filho homem entre seis irmãos, seu pai, um dos conselheiros da aldeia, achou por bem prepará-lo em sua falta e por mais que gostasse de sua aldeia e seus costumes, percebeu que ter um filho melhor preparado para o "mundo lá fora" seria uma melhor aposta para o bem estar de toda a sua família.

- Ele foi um visionário – comentou Arusi. – cinco anos depois, ou seja, quando eu tinha quinze anos, ele morreu.

- Sinto muito – interrompeu Carol

- Tudo bem – ele a tranquilizou

Arusi conseguiu estudar em uma boa escola que lhe deu base para fazer Engenharia Química na Universidade de Cape Town na África do Sul. Foi lá onde aprimorou o seu conhecimento técnico, fez alguns estágios em empresas importantes e quando voltou começou a trabalhar na Sassy. Cresceu dentro da empresa e hoje era o responsável pelo controle de qualidade dos produtos. Disse que sentia muita falta de sua aldeia, mas que seu emprego ajudava a sustentar a família em sua terra natal e que gostava de onde morava.

- Uau! Que história bacana! – elogiou Carol - Você se casou? Teve filhos?

- O que isso tem a ver com a Sassy? – estranhou Arusi

- Nada, é que estas informações complementam o seu perfil para o projeto, só isso – justificou a publicitária.

- Não casei – ele olhou para o infinito. – Nem tive filhos – disse secamente. – Deu o meu horário

- Nos encontramos na hora do almoço? – Carol se adiantou.

- Ok – Arusi retrucou sem muito entusiasmo.

Ela comemorou secretamente a agenda para o almoço. Significou que seu entrevistado estava de acordo com a continuidade do projeto. Aproveitou para olhar as mensagens e viu que Claudia havia respondido:

"Bom saber que as coisas estão andando por aí! Mas prepare-se: o chefe vai mandar Arthur para te encontrar. Ele está inseguro com a falta de notícias e retorno. Não diga que falei. Espero que não se matem! Se cuide!"

– Que merda! – balbuciou.

Tentou ligar para Claudia mas o sinal estava ruim. Por que o chefe tinha mandado aquele mala para segui-la? Por que a falta de confiança? O plano estava seguindo tão bem! Justo agora ! Merda, merda, merda!

Era bem capaz de Arthur querer roubar sua ideia, sua campanha, ou pior, deixá-la fazer todo o trabalho e levar os louros em conjunto com ela como fizera certa vez. Precisava de um plano B.

Resolveu voltar para o hotel e deixou um recado com o pessoal do bar que tinha tido uma emergência e que era para avisar Arusi sobre o imprevisto. Angalia, acostumado com os rompantes da madame, não se incomodou de ter que "voar" de volta para o hotel.

Quando Arusi chegou para a sua entrevista, viu que Carol havia sumido.

– É louca - murmurou

- Alô? – o chefe atendeu do outro lado do mundo

- Chefe! Que saudades! – Carol forjou alegria

- A Claudia te avisou que estou mandando o Arthur, né? Só assim para você me ligar! Como estão as férias aí na... como chama mesmo onde você está?

Carol ficou sem palavras por um momento. Então completou:

- Namíbia. Estou na Namíbia.

- Isso! – corroborou o chefe.

- Você sabe muito bem que não são férias. Se não, eu teria ido para Paris, Monaco, sei lá... O trabalho está evoluindo bem, o Arthur não precisa vir me espionar.

- Carol, Carol, pare de ser egoísta, ele está meio ocioso aqui na agência. Ele pode te ajudar, pode ser bom para vocês – ponderou o chefe

Ela revirou os olhos, agora teria que carregar um parasita! Após relutar um pouco acabou cedendo, afinal não tinha outra alternativa.O chefe elogiou a atitude, e ela bateu o telefone em fúria. Deu um grito para aliviar a tensão e começou a pensar em seu próximo passo.

Com certeza teria que agilizar o tempo do que pretendia de modo que Arthur só chegasse no final. – Pense, pense! – demandou de si mesma

Ligou para Claudia para bater as informações do chefe.

- Espoleta! Achei que ia ficar morando por aí! Como estão as coisas?

- Péssimas, Claudia! Que raio o Arthur vem fazer aqui? Falei com o chefe e ele me disse que ele está sem projetos?

- Imagina! Ele está cheio de coisas aqui! Está puto de ter que ir para a África.

- Namíbia – Carol completou

- É, isso – Claudia concordou

- Estou te falando, o chefe não está seguro de seu projeto. Manda alguma coisa para ele se acalmar.

- Não posso, Claudia, está tudo em formação aqui na minha cabeça. Mas eu sei que vai dar certo!

- Claro que você sabe, mas ele não sabe. Faz alguma coisa...Quanto tempo mais você vai ficar aí?

- Não sei, uma, duas semanas.

- Acho bom você trazer algum tipo de alento para o chefinho...Saudades de você, tenho que ir.

Carol desligou o telefone mordendo os lábios e revirando os olhos de um lado para o outro. Resolveu tomar um banho quente para relaxar os músculos.

Antes de dormir, tirou uma foto da imagem de Arusi com a subscrição da Sassy Cosméticos e enviou para o chefe com a legenda: "Ele é nosso!" O chefe, que não havia se tornado chefe por acaso, pelo menos naquela empresa, recebeu a mensagem com um sorriso percebendo aonde Carol queria chegar.


O Lago dos ElefantesWhere stories live. Discover now