Experiência: a tradutora invisível

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Embora hoje seja velho, um dia fui novo. Hoje amo cada ruga do meu corpo como uma marca de guerra, apesar de tanto ter lutado contra elas. Cremes não me fazem mais efeito. Não interrompem meu envelhecimento. Não retardam. Não me fazem mais nada. Já não existem mais fórmulas mágicas. Só o que existe é o tempo. E eu me amo com ou sem ele. Cada experiência me fez crescer muito e cada cicatriz é uma marca disso. As guerras onde lutei, as pessoas que amei, as mordidas que dei. Parece fácil falar disso, mas por muito tempo lutei contra isso. Quis me fazer de jovem, fugir das responsabilidades, viver liberto. Mas as amarras invisíveis do tempo vão nos prendendo ainda mais. A sabedoria que eu adquiri me fez trabalhar junto a elas. Posso estar enovelado, mas lidar com meus apertos. As cordas já não me machucam mais, servem-me de casaco nos dias frios. Quando estou sozinho, lembro-me que já tive companhias que não me agradavam. Quando sento ao lado do meu amor, penso sempre que poderia ainda estar triste, solitário. Quando penso em quem passou pela minha vida, sinto nostalgia. Não sei se é bem saudade. Não quero voltar. O tempo só anda para frente. Esta é uma das mais duras lições que tive que aprender. Quando me olho no espelho, às vezes tenho vontade de chorar. Lembro de tudo o que perdi e, por um momento, sinto falta. Então lembro de tudo o que ganhei. O tempo pode parecer neutro, mas ele é indiferente à nossa existência. Sou órfão de mãe e pai, mas sou pai e avô. De fato, o tempo só anda para frente. Não estou triste ou feliz. Me sinto realizado. A vida se destrói e se reconstrói nos mínimos detalhes. Mudam os rostos, mudam as roupas, mudam as atitudes, mas fica a vida. Sempre ela, a impiedosa existência, lutando para se manter em meio a um mundo que insiste em não compreender. A experiência mais parece uma tradutora. Enquanto somos jovens, a vida tenta nos ensinar e falha miseravelmente. Conforme vamos envelhecendo, vamos compreendendo o absolutismo invisível das mãos do destino. Será essa a nossa sina? Viver? Que papel desempenharia a morte nisso tudo? A renovação daquilo que uma vez é para todo o sempre, uma constância de fatores humanos.

- Dioniso

Antologia de um vencidoTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang