5 _ Mentiras alheias

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Heitor

Eu odiava o clima fúnebre mesmo ele sendo falso. Me trazia péssimas recordações, era inevitável não ficar abalado emocionalmente. Recordar da morte da minha mãe era algo que doía como uma ferida eternamente aberta. Uma vez me disseram que com o tempo isso passaria, mas nunca passou. Nunca deixou de doer, de incomodar.

Suspirei pesadamente e observei Alícia chorar em silêncio ao meu lado. Usava um vestido negro e óculos da mesma cor, estava há todo instante recebendo abraços dos funcionários da empresa. Frederick Harper não possuía família além da filha. O que de certa forma era bom para ter menos gente sofrendo.

Era horrível vê-la destruída desse jeito. Minha vontade era de contar para ela que tudo não passava de uma grande mentira, porém, era a vida de Frederick e dela própria que estava em risco. O silêncio foi a melhor solução, infelizmente.

Apoiei minha mão em suas costas e permaneci até o final da cerimônia. A falsa urna com cinzas do meu amigo estava em destaque para todos verem e não restarem dúvidas de sua “morte”.

No final levei Alícia para casa.

— Eu não sei o que fazer da minha vida agora. — Ela murmurou com o olhar distante.

Engoli em seco e sentei ao lado dela no sofá da sala. Ela abraçou a almofada. No chão ao lado de seus pés estavam jogados os sapatos e os óculos escuros.

— Realmente sinto muito!

— Parece que estou presa em um pesadelo. Por mais que eu tente escapar, não dá. Eu… — Voltou a chorar, me deixando extremamente mal. — Estou sozinha no mundo. Completamente sozinha.

— Você não está sozinha. Como eu te disse antes, seu pai deixou uma procuração me nomeando o seu tutor até você completar vinte e um anos.

— E depois disso terei que me virar. — Murmurou magoada.

— Não vamos pensar nisso agora. Até lá muita coisa pode acontecer. — Sugeri e ela secou as lágrimas. — Vou me mudar para cá. Espero que não seja um problema para você. — Avisei e ela me olhou surpresa.

— Eu não quero ser um peso na sua vida.

— Não será peso algum. Frederick confiou em mim para te ajudar no que for preciso. E eu vou te ajudar.

— Quando você virá?

— Vou trazer as minhas coisas mais tarde. — Expliquei e ela abaixou a cabeça.

— Heitor, me diz uma coisa! Para ele deixar uma procuração… Ele estava doente? Sabia que iria… Morrer?

— Sabia. Foi por isso que ele decidiu resgatar o tempo perdido com você. Ele te amava muito. — Respondi vendo as lágrimas dela deslizarem grossas pelas bochechas. — Eu realmente sinto muito que as coisas sejam assim. Tenho certeza absoluta que se tivesse uma forma dele fazer tudo diferente, ele faria. Durante todos esses anos ele sempre lamentou não ter sido presente na sua vida. Sou testemunha de quanto o feriu a distância entre vocês.

— Devo ser amaldiçoada. Essa é a única explicação plausível. Todas as pessoas importantes da minha vida morrem. Primeiro foi a minha mãe, depois minha avó e agora meu pai. — Lamentou num fiasco de voz.

— Sinto muito por suas perdas! — Repeti desconfortável e ela respirou fundo deitando a cabeça no encosto do sofá.

— Ele deveria ter ido ao hospital ontem. — Murmurou triste. — Por que ele não me ouviu?

— Seu pai era a pessoa mais teimosa do mundo. — Respondi e ela me observou.

— Você conhece ele melhor que eu. A vida não é justa. — Reclamou e eu assenti. Definitivamente, a vida não era justa com ninguém. — Por que eu não insisti? Por que fui dormir quando deveria estar ao lado dele​? Fui negligente. Eu devia…

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