O vôo do passarinho.

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"Pegue essas asas quebradas e aprenda a voar
Durante sua vida toda
Você só estava esperando este momento para decolar."


Suspirei mais uma vez mexendo a colher no sorvete sem a mínima vontade de por mais um pouco na boca. As vozes de Monica e Chandler vindas da televisão eram a trilha sonora de fundo para minha melancolia decadente, era o último episódio da primeira temporada, o qual eu já sabia as falas de cor: Chandler diz para a Monica que caso eles não encontrassem alguém até os quarenta anos, ele se casaria com ela e lhe daria filhos. Era um dos meus diálogos prediletos, mas não nesse momento.

Ouvi o barulho da trinca girando na porta e nem me dei ao trabalho de olhar para ver de quem se tratava, continuei assistindo ao final do episódio que se desenrolava à minha frente.

- Ainda nessa fossa, Ema? - Mike sentou no braço do sofá, jogando sua chave na mesinha de centro. - Até quando vai durar isso? Você precisa reagir, sair para procurar outro emprego, ver gente, sei lá.

- Eu sei. - olhei para o pote de sorvete de chocolate meio derretido pela metade e automaticamente me senti enjoada. Eu odiava sorvete de chocolate.

- Você sabe que está sendo patética, não sabe? - dei de ombros sem vontade de prolongar aquela conversa. - Emily, você está me ouvindo? Você estava tomando sorvete de chocolate? Meu Deus, é pior do que eu pensava. - ele se esticou, retirando a embalagem da minha mão e colocando na mesinha. - Chega, levanta daí e vai tomar um banho. A gente vai sair para beber.

- Não Mike, me deixa quieta no meu canto. - murmurei, me afundando mais nas almofadas.

- Você está sendo patética, Emily. Ficar aí afundada sentindo pena de si mesma não vai trazer o seu emprego e muito menos o Shawn de volta, você tem que reagir.

- A é? E o que você sabe sobre isso? Você tem tudo perfeito, pais vivos e presentes,relacionamento perfeito com um cara que te ama, o emprego dos sonhos. Então não finja que sabe o que é lidar com toda essa bagunça quando sua vida é perfeita. - cuspi as palavras sem medir o peso de cada uma delas, jogando toda a minha frustração cima do meu melhor amigo.

- É sério que você acha isso? Eu acho que eu não preciso te lembrar de que eu sou um homem assumidamente gay que precisa lidar com desafios todos os dias, não é? Você estava lá todas às vezes em que eu tive que lutar contra o preconceito no meu trabalho e sendo sempre testado por ter escolhido trabalhar como jornalista esportivo num ambiente majoritariamente hétero. - ele fez sinal de aspas com os dedos na última palavra. - Tenho que conviver com as pessoas julgando o meu casamento e o meu amor. E sim, eu tenho pais vivos, - nesse momento eu senti meu peito afundar em culpa, eu sabia o que viria a seguir. - Mas sinceramente, eu preferia mil vezes uma mãe e uma avó como a sua com um amor incondicional e apoio total, porque eu desejo do fundo do meu coração que você nunca tenha de receber um olhar decepcionado da pessoa que mais deveria te amar e te dar suporte no mundo, e principalmente por algo que você não controla.

- Mike, eu sinto muito, eu não quis...

- Você não quis o que, Emily? Dizer isso? Você quis dizer exatamente isso, porque você está ferida e com raiva do mundo faz tanto tempo, que se acostumou a se afundar em auto piedade sempre que um problema foge do seu controle.

- Você não precisa pegar pesado, eu já estou péssima, não precisa chutar cachorro morto. - levantei do sofá, desligando a TV. - Eu só queria poder voltar no tempo e fazer tudo diferente, eu não queria machucar ninguém.

- Eu sei que não, mas os seus muros se tornaram tão altos que taparam sua visão.

- O que você quer dizer?

Fallin' All in YouWhere stories live. Discover now