2 dias - Parte 1

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O dia já começa frenético. Meus dois filhos estão desesperados procurando o cereal deles - que eu esqueci de comprar -, o bosta do meu marido acaba de quebrar a cafeteira, eu não encontro o par do meu único sapato de salto e, para deixar tudo mais harmonioso, a porra do meu celular não para de tocar. Decido atender, para pararem de encher o saco.

- Alô? - Olho no visor para ver quem me ligou. - Oi mãe.

- Oi, Lyra...

- Mãe, desculpa a grosseria, mas eu estou muito ocupada agora, você poderia ligar depois?

- Filha... Sua tia Josie faleceu.

A caneca - vazia, porque infelizmente hoje não teria café - que eu estava segurando se estilhaçou no chão, fazendo alguns cortes no meu pé.

- Lyra? LYRA? Tudo bem, filha? Que barulho foi esse?

- Tudo... Eu só estou um pouco em choque... Ela não era velha... Ah, meu Deus... Quando é o velório?

- No início da tarde. Tudo bem se não puder ir, eu entendo que seu trabalho é...

- Eu vou - a interrompi. - Estarei lá, só vou arrumar algumas coisas e logo irei. A viagem é longa. Daqui a pouco te ligo, mãe. Beijos.

Desliguei o celular e fiquei um tempo estática, olhando para a bancada da cozinha. Meu marido e filhos estavam ao meu redor, mas eu não escutava um som sequer, até que levei um chacoalhão.

- Pelo amor de Deus, Lyra, o que aconteceu? Você está pálida, com o pé cortado, o que sua mãe disse? Quem morreu?

- Minha tia. - Eu estava sendo cutucada e puxada pela camisa. - Dave, por favor, me deixe em paz - disse ao meu filho.

Meu maior erro foi dar o nome Dave ao meu filho; se pelo menos fosse o nome do pai dele, mas infelizmente meu cônjuge chama Elton.

- Meus pêsames, meu amor. Se eu puder fazer algo para ajudar...

- Leve as crianças na escola, por favor. Estou indo para o velório dela.

- Mas... Você terá reunião com os coordenadores do hospital, é muito importante! Não pode faltar!

- Reunião importante o caralho. Minha tia morreu, eu vou é me reunir com ela e a família. E dá comida para o Dave e o Diego, eu esqueci do cereal deles.

- Cereal o caralho - diz Diego, o mais novo. Ele está na fase de repetir tudo o que falo.

Elton começou então sua caça à algo comestível na cozinha, e eu fui para o quarto colocar alguma roupa preta. Não tenho roupa preta, sou médica, meu guarda-roupa é todo branco. Finalmente achei um vestido meio cinza que eu não uso desde minha última gestação, e o coloquei.

Volto para a cozinha e a bancada está cheia de frutas, bolachas, pães e condimentos. Me despeço dos três e vou aflita para o carro.

A viagem não foi tão longa, pois atualmente moro em uma cidade mais próxima da que a tia Josie mora... morava. Me vem na cabeça um filme de tudo que já aconteceu na casa dela. Tia Josie nunca teve filhos, por isso me mimava tanto. Ela sempre foi minha tia preferida.

Sou uma das primeiras a chegar. Chego antes que minha mãe até. Está caindo um temporal, este deve ser o motivo de demorarem tanto. Vejo Zaffir e o abraço; já acertamos nossas diferenças há um tempo. Não tenho coragem de ir até o caixão, então fico em um canto chorando.

Alguém senta ao meu lado, mas não levanto a cabeça. A pessoa fica em silêncio por um tempo, até que suspira.

- Não era a hora dela.

Isso me faz levantar os olhos e ver que a pessoa sentada ao meu lado é Dave. Não é o momento de perguntar como anda a vida dele, por mais que eu esteja muito curiosa.

Não trocamos muitas palavras, mas ficamos lado a lado durante todo o velório e enterro. Eu não havia levado guarda-chuva, então ele se ofereceu para me levar até meu carro.

- Você não deveria pegar a estrada agora. Está caindo o mundo, Lyra. Não posso deixar você viajar assim. Eu estou em um hotel, fique lá até melhorar o tempo.

- Não posso, Dave. Agradeço A gentileza, mas não dá.

Assim que ligo o carro, o rádio começa a comentar sobre enchentes e sobre a rodovia estar alagada. Olho para Dave, que faz um sinal para eu sair.

- Vamos no meu carro. Você pega o seu depois.

Ele está bonito. Na verdade, ele está muito bonito. Vamos até um hotel bem próximo, e já percebo que a diária é cara. Poxa, eu estou economizando pra comprar uma casa e ele me vem com um hotel cuja diária deve custar um carro? Humildade, Dave.

Após a confirmação de que a diária era cara, puxei ele para um canto.

- Posso ficar no seu quarto? Porque essa chuva deve parar logo, né? Eu estou economizando, não quero gastar com a diária, sendo que eu acho que nem vou usar.

- Você continua a mesma, Lyra. E eu não pretendia fazer com que você pedisse um quarto, acho que temos bastante o que conversar.

2 SemanasWhere stories live. Discover now