Soturno

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Os remédios coloridos

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Os remédios coloridos. A mochila coberta por terra jogada ao lado da maca. O copo de água pela metade na bandeja. A tinta branco gelo — agora encardida com o decorrer do tempo — das paredes. Detalhes. Pequenos detalhes que havia decorado minuciosamente enquanto estava de repouso no quarto, obedecendo ordens médicas. Os arranhões nos braços não eram preocupantes, contudo o impacto do crânio contra a lataria do ônibus o submeteu há algumas horas em observação no hospital, acompanhado de dosagens altas e recorrentes de aspirinas.

Mesmo com os tímpanos latejando e a cabeça circunvalada por alta pressão, pôde escutar cochichos de enfermeiros, onde eles alegavam que todos no ônibus estavam vivos e bem. Tentou captar mais informações, tendo a atenção roubada pelos gritos histéricos do pai, discutindo e reclamando pelo péssimo atendimento, sempre movimentando as mãos de maneira agressiva contra os rostos dos médicos. Charles era um homem difícil, e ele sabia disso. Entendia que o pai ambicionaria o melhor tratamento, principalmente após ter sido avisado sobre o acidente de forma abrupta.

A última lembrança que tem do hospital é aquela. Ele não lembra como e em qual momento, mas despertou no próprio quarto, rodeado por cartelas de analgésicos e vasta claridade. Não lembra quem o deu banho, nem quem o colocou na cama. Acredita que a pancada na cabeça afetou suas memórias, ou que o choque pós-traumático o impossibilitava de acessar as lembranças que envolviam o acidente. Levou as mãos até os olhos e os cobriu, em uma tentativa falha de fazer a luz se tornar mais suportável. Sentou desajeitado na cama, arrependendo-se da velocidade usada quando a visão se tornou turva e pesada, quase o fazendo desabar contra o colchão.

— Porcaria! — massageou os côncavos com os dedos.

Suspirou e abriu os olhos devagar, deixando-os semicerrados. O quarto tomou forma gradualmente, revelando primeiro a escrivaninha coberta por livros didáticos, depois a porta de madeira, logo após a prateleira com seus discos e vitrola, por último a janela ao lado da cama. As longas cortinas brancas esvoaçantes balançavam com o vento, ondulando de um lado para o outro. Levantou após averiguar que as pernas acatavam o comando do corpo, usando mais impulso que o normal para ficar em pé.

Caminhou zonzo pelo quarto, sentindo que tudo ao redor transitava em câmera lenta. Antes que pudesse chegar até a janela, um zumbido ensurdecedor assentou seus ouvidos — alto, agudo e contínuo. Praguejou e jogou o corpo contra a cama, caindo desajeitado entre os lençóis, apertando as laterais da cabeça com as próprias mãos, urrando em dor e desespero. Espremeu os olhos e aninhou o corpo em posição fetal, gritando pelo pai.

Antes de apagar, ouviu passos pesados subindo a escada e o ruído da porta sendo aberta.














Não sabia a hora exata, mas não possuía dúvidas que a noite chegara, trazendo barulhos sonoros desagradáveis e frio gélido. Sentou na cama com menos pesar, sentindo alguns ossos da coluna estalarem. Observou que a janela ainda estava aberta, as cortinas continuavam balançando, permitindo que o vento adentrasse e refrigerasse todo o ambiente.

EXCÊNTRICOWhere stories live. Discover now