Opia- a arte de tirar de si

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Olá,

A primeira vez em que falei profunda e abertamente sobre mim, foi petrichor. O cheiro inebriante e repentino da terra após a chuva, naquele dia, simbolizou a transição e ... metade.
Metades são quase sempre despercebidas por todo o mundo. A metade da laranja fica na geladeira por um longo tempo, a metade de uma roupa é jogada fora, a metade do nosso coração não consegue amar, a metade do sol não é percebida porque uma outra metade do céu, normalmente, está coberta por nuvens cinzas , nenhuma história é contada pela metade e ninguém quer perceber o cheiro da terra, porque estamos sempre aprendendo a esperar unicamente pela chuva. Nós aprendemos a não perceber a infinidade que existe em uma metade. Como por exemplo, a nossa metade.
A chuva não começa de repente. E assim como ela, a dor é construída. Eu não lembro de todos os momentos em que consegui ordenar meus pensamentos sobre qualquer sentimento agonizante que me consumira diariamente, mas  lembro exatamente de como é não ter controle sobre nada, inclusive sobre nós mesmos. Durante um longo tempo, a depressão morou ao lado e a princípio, éramos eu e ela. Eu, com uma infinidade de dores acumuladas e pioradas com o tempo e ela, sem identidade. Eu tinha uma dor, sentia na pele o que  ela me causava, mas não sabia como chamá-la. Primeiro porque aos 6 anos, ninguém acredita que possamos sentir nada além dos sentimentos ao arrancar os dentes, ralar os joelhos e ter os brinquedos tirados por desobediência. Segundo que, todo mundo acredita em máscaras. E o fato de não saber e não poder saber sobre certas coisas quando pequenos, te sufoca quando mais velhos, porque as ideologias passadas perduram por muito tempo na gente. Aceitar que eu precisava de ajuda não foi fácil, foram longas noites sem dormir, grandes pesos pesados, absurdas palavras ouvidas e um profundo desespero sobre "estar enlouquecendo".

Então, não satisfeita sobre sermos apenas eu e ela, a depressão convidou a prima distante chamada ansiedade e juntas, fizeram um carnaval na quarta-feira de cinzas. Eu era o alvo. Vivendo cercado pelo desânimo, pensamentos acelerados, dores nas costas e no peito, faltas não suportáveis ​​de ar, choros incontroláveis, exaustão pela vida, insonias cansativas e uma dysania que não tinha fim. E por um bom tempo, achei que toda a minha vida se resumiria a um imenso borrão. Era como correr em círculos e andar em uma montanha russa, subindo e descendo em menos de 24 horas.

E  lá estava a metade. A metade de que um dia eu levantaria da cama e veria o Sol por mais de uma vez. A metade que voltaria a aprender a respirar novamente. A metade que acordaria lutando e faria da luta, uma voz. A metade de que aprenderia comigo mesma, a respeitar as dores e os momentos de cada pessoa. A metade que voltaria a falar coerentemente. A metade que não prenderia  mais o choro, em situações que não fossem resumidas a crises. A metade de que ajudaria a tantas outras pessoas a entenderem que tod a dor é válido, que a depressão não é anti-cristã e que, portanto, ela não te define e nem é por falta de crença. A metade que seria uma outra metade e juntas, seriam completas. A reconstrução mora em uma metade.Os tijolos não se sustentam sozinhos. A madeira parte-se ao meio, estando sozinha. O quebra-cabeça não toma forma sozinho. A caneta precisa de tinta para escrever e assim como eles, também não estamos sozinhos. E por mais que pareça que o sol não é para todos, ele sempre estará lá para quem quiser respirá-lo ..

Opia são todos os dias em que eu busquei refúgio em mim mesma, misturada a todas as lágrimas e crises que compuseram meu ósseo por anos. Há medo de todos os lados, mas a melhor parte sobre ser petrichor é que o cheiro de terra molhada dura menos que uma eternidade e permanece pelo tempo necessário para cicatrizar-se.

floresça, as pétalas não murcham pelo tempo,

Tay A.













































                                                                            OPIA









                                                                                                  Em memória

                                                                                               a Roberto Cartaxo



































OPIA- a arte de tirar de siWhere stories live. Discover now