Capítulo 3

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Capítulo 3

Jan observava o amigo praticamente em coma no sofá. Estava agora na 3ª xícara grande de café, cada vez mais viciado no expresso. Passara a manhã vasculhando a história através da super-rede. Era apaixonado, principalmente, pela parte recente do Direito Eletrônico. Em como um garoto de 14 anos havia mudado tudo. E como havia dado um passo mais largo, aos 18 anos, lançando o módulo de Análise de Direito Público.

Na verdade a versão sempre estivera pronta. Afinal, o software se valia dos princípios basilares do direito. Não haveria porque não fazer a análise também em seus outros ramos, principalmente o criminal. Mas Jeremias não era apenas sagaz em programação. Era também em estratégia. Ao atrasar por 4 anos o lançamento do módulo público, construiu os alicerces que venceriam as barreiras impeditivas da sua meta final. 

Quando anunciado o lançamento, a reclamação foi intensa pelo governo em suas três esferas, destacando-se, dentre o executivo, o Ministério Público, parte obrigatória em todos os processos.

O Poder Judiciário fora o que agira mais brandamente. Simplesmente ignorou. Dizia que não seguiria nenhum pedido que fosse contra a lei, indiferentemente de onde viesse tal pedido. Estava limitado aos princípios da inércia e "tantum devolutum quantum apellatum"1, ou seja, não poderia agir por força própria. Então apenas aguardou o desfecho.

O Ministério Público tentou barrar o lançamento do módulo com o argumento da desumanização da interpretação legal. Mas estava por trás a flagrante regularidade em que extrapolavam a norma em desfavor do réu. Era praticamente um tabu não fazê-lo. Entendia-se que a promotoria via no judiciário um beneficiador do acusado, que sempre pendia para uma pena leve e por isso deveria haver um pedido contrabalanceador. Na prática não era somente isso. Em todo o mundo, o Ministério Público agia com excessivo rigor no processo criminal. Uma análise objetiva em uma ferramenta confiável poderia minar seu domínio acusatório. 

O Governo Federal e o poder legislativo endossaram o pedido do Ministério Público para o impedimento do lançamento do software. Mas a razão era outra, sombria: sabia-se que os governos, em todas as esferas, eram exímios manipuladores legais, principalmente no que se referia à elaboração normativa. Sabia-se também que o poder judiciário sofria influência tanto de dentro quanto de fora dos governos, dependendo de qual corrente fosse interessante favorecer no dado momento. O Brasil acostumara-se a este cabo de guerra entre forças de comando e os três poderes eram meras ferramentas de tensionamento para o controle da nação. A interpretação do ordenamento jurídico era mais uma dessas ferramentas, quiçá a mais forte. Um software que objetivamente analisasse, baseado em provas, a inocência ou culpa de um político, de um juiz, ou mesmo de um funcionário público qualquer, sem o uso da força jurídica manipulável do livre convencimento poderia destruir todo o castelo de areia em que fora erguida a política nacional desde o Brasil Colônia. Para os cartéis políticos isso era inadmissível. 

Ao que parece, os juristas eram os únicos que tinham preocupações nobres. Achavam que a unificação mecânica de uma análise jurídica limitaria sua própria abrangência a um ponto tão objetivo que se tornaria praticamente um ato instantâneo, tão frio como as sentenças medievais mas com justificativa da utilização de ferramentas lógicas. Levaria as relações jurídicas a uma falta de diálogo que poderia encolher seu universo de conhecimento e as percepções intelectuais de seus operadores. Foram os menos ouvidos no debate e também os menos citados nos documentos históricos.

Ainda assim a população adorava o programa. Muitos defensores utilizavam exatamente as razões obscurecidas pelo Governo e pelo Ministério Público para que o módulo público do software fosse lançado. Jeremias ressaltava, através de propaganda na TV, que o software não era de uso obrigatório, nem que o juiz precisaria acompanhar sua conclusão. Não adiantava. A pressão imposta pelos cartéis era grande.

Condão   .Where stories live. Discover now