Aquilo que dói - Parte 1

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"Eu não sou meu cabelo

Eu não sou esta pele

Eu não sou suas expectativas não, não

Eu não sou meu cabelo

Eu não sou esta pele

Eu sou a alma que vive aqui dentro"

(I Am Not My Hair - India.Arie)



Rita, 13 anos

"Nega do cabelo duro, que não gosta de pentear..."

Faz de conta que ele não está falando com você, querida... A voz de painho ecoava em minha cabeça.

Fui ensinada a sempre ignorar quem me importunava, por isso, toda vez que escutava coisas como aquela, simplesmente me fingia de morta. Revidar poderia causar uma briga, e me envolver em brigas estava fora de cogitação. Se eu fosse dar vazão aos sentimentos, teria me levantado na primeira estrofe da música e derrubado aquele idiota da cadeira. Daí eu iria para a diretoria e ninguém saberia o que ele fez.

No final, eu ainda seria errada.

Mas algo dentro de mim simplesmente não se conformava. Por que Ricardo não procurava algo melhor para fazer, como assistir a aula, por exemplo? Ele estava muito errado.

Aquilo tinha que acabar!

— Professora! — interrompi o que a professora falava.

— Sim, Rita? — Ela parou de escrever no quadro-negro e se virou: — Algum problema?

— A senhora pode vir aqui, por favor?

A professora apertou os olhos e pôs uma mão na cintura.

— Não está vendo que estou dando aula, Rita? Se você está com dificuldades de entender a matéria, tem que se sentar na frente e, não, no fundo!

Todos começaram a rir baixinho. Apenas Ricardo, ao meu lado, olhava sério, de mim para ela.

— Mas é que...

— Vá! — Deixou o giz e o papel com suas anotações em cima da mesa. — Diga, qual é sua dúvida?

— Não, nada não... — falei baixinho e abaixei a cabeça. Ricardo sorriu com o canto da boca.

— Você me interrompeu, pra nada, Rita? — A professora cruzou os braços. — Faça a pergunta, anda! Sua dúvida pode ser a dos seus colegas também.

Não era uma dúvida, era um pedido! Talvez a professora pudesse fazer alguma coisa, afinal, ela era a autoridade máxima na sala.

— É que... — Levantei rapidamente, olhando para Ricardo, com ódio, e ele percebeu o que eu faria. Senti medo nos olhos dele e isso me deu coragem. Mas, ao olhar os rostos dos meus colegas, alguns curiosos, outros de gozação, engoli minha saliva. Já não estava mais tão corajosa assim. — É que... Ricardo está me abusando.

Soltei a acusação, sem pensar numa frase melhor do que aquela e me senti um bebê chorão. Para piorar ainda mais a minha vergonha, a gargalhada na sala foi geral. Ricardo abriu os braços e levantou os ombros, como se eu fosse louca.

Cachos, pra quê te quero? (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora