Ideia Absurda! - Parte 1

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"De que vale seu cabelo liso 

E as idéias enroladas dentro da sua cabeça?"

Implicante – Ana Carolina


Rita - 27 anos

O sol batia forte em meu rosto, quando eu "corri" para debaixo do guarda-sol. Evitava ficar muito exposta por causa das manchas que poderiam aparecer em minha pele, devido à gestação e, claro, eu não podia suar. Meu marido e minha irmã se refrescavam na nossa piscina, conversando amenidades e meu pai cuidava da churrasqueira. Era costume juntar a família aos domingos para um churrasco que meu pai fazia questão de fazer em minha casa.

Minha avó e minha tia não gostavam muito da piscina, permaneciam sentadas ao meu lado, comendo e bebericando uma cervejinha bem gelada; eu as acompanhava com meu suco de laranja, fugindo da fumaça. Além do calor intenso que eu sentia por causa da gestação, o dia estava muito quente, e, diferente delas, minha vontade era entrar na piscina e sair de lá só quando anoitecesse. Mas eu não queria molhar meu cabelo, então, não poderia correr o risco.

Vez ou outra, ia no chuveirão e, com cuidado para não molhar meu cabelo, tomava uma ducha, deixando a água bater na minha generosa barriga de 7 meses de gestação.

— Vamos pedir a Deus que essa criança puxe aos cabelos do pai, porque se for o seu, misericórdia, Senhor! — Vó Nita murmurou, observando-me esticar meu pescoço, para que nenhum pingo caísse em meu cabelo. — Vai te dar trabalho, fia!

Olhei para minha barriga, com carinho, enquanto me acomodava novamente na cadeira onde eu estava. Claro que eu concordava com ela.

Quando eu conheci Beto, era como ter encontrado a tampa da minha panela. Apesar de ser branco de cabelos lisos, a cor da minha pele nunca foi um problema para ele. Casamos após cinco anos de namoro e como não queríamos esperar para ter filhos, logo engravidamos.

Curioso é que, quando se é uma grávida negra de cabelos crespos e alguém pergunta se é menino ou menina, uma observação se segue à resposta. Se for menino: "Ah, que bom, não vai ter trabalho, é só cortar o cabelo curtinho, né?", mas quando é menina: "Nossa, boa sorte com o cabelo!".

Sim, fui agraciada com uma bela menininha, Valentina, e tinha 50% de chance de nascer com um cabelo indomável, como o meu.

Às vezes Beto e eu ficávamos conversando antes de dormir, ele fazendo carinho em minha barriga, com Valentina dando voltas, respondendo ao carinho dele, e tentávamos adivinhar como seria sua aparência ou sua personalidade.

Claro que, nesse momento, o pensamento da minha avó me vinha à cabeça. Afinal, tinha péssimas lembranças da minha infância: a dificuldade que era desembaraçar meus cabelos, o quanto elas reclamavam o tempo todo que o braço doía e repetiam que meu cabelo era duro e ruim... E o torcicolo que me dava de tanto puxarem meu cabelo para que ficassem, no mínimo, ajeitados?

Meu Deus, tomara que eu não passe essa maldição para minha filha!

Oxe, vó, cabelo crespo e cacheado dá trabalho, assim como o seu, que é de chapinha, dá. Que bobagem! — minha irmã disse, saindo da piscina, balançando a cabeça para soltar os cachos. — Tomara que Valentina nasça com o cabelo bem black pra gente tirar onda por aí!

Cida aderiu ao cabelo cacheado.

Ok, não ficou feia, acho até que os seus cachos, que iam até o ombro, agora bem cuidados e definidos, combinavam bastante com a sua personalidade excêntrica. Ela gostava de se exibir, fazia penteados dos mais diversos no cabelo, usava vários adereços para enfeitar... Aparentemente, a autoestima estava lá em cima, satisfeita e bem resolvida, e eu estava muito feliz com a mudança. Juro! O problema era que Cida achava que, assim como foi bom para ela, todo mundo do planeta tinha que fazer a mesma coisa. Toda vez que falávamos de cabelo, era sempre o mesmo discursinho irritante.

Chegava a ser chata.

Deus é mais, Cidinha! — Balancei a cabeça com aquela ideia absurda. — me rogando praga, é? Quem vai ficar com o trabalho de desembaraçar sou eu, e você tirando onda com a sobrinha por aí! — Olhei para o céu e fiz uma prece. — Ah, meu Deus, me ajude, não me permita passar por isso não!

Eita, Ritinha. Que praga o quê? Olha o meu cabelo, como está lindo! — Ela enrolou um cacho no indicador e deu uma volta, como se tivesse fazendo carinho num bebê. — O problema é que as pessoas — frisou bem a palavra — querem tratar o cabelo cacheado como se trata o cabelo liso, não pode, gente! Cada um tem uma maneira de cuidar.... Se deixasse seu cabelo crescer, saberia disso.

Minha tia ergueu uma sobrancelha, sabendo que a indireta tinha sido para ela e comeu um pedaço de carne que meu pai acabara de colocar numa travessa, perto da gente. Minha vó fez uma careta e bebeu a cerveja, com preguiça de retrucar.

— Ai ai ai, sai pra lá! Já disse a você que essa modinha de cabelo cacheado não é pra mim. — Fiz cara de nojo. — É fácil pra você. Seu cabelo é bem melhor que o meu, seus cachos são soltinhos. O meu é um horror! Se eu deixar cacheado vai parecer que coloquei um arbusto em minha cabeça, Deus me livre dessa hora!

Minha tia e minha vó gargalharam, concordando, meu pai só fazia balançar a cabeça, em negativa, e meu marido nadava, até então, alheio à discussão. Melhor assim.

— O meu cacho é 4A e o seu, pelo que eu me lembro, é 4B, talvez 4C — respondeu, séria. Como se eu soubesse do que ela estava falando. — Uma pequena diferença em relação ao formato, mas é tão crespo quanto o meu. Aliás, ia ser fechação seu cabelo todo armado pra cima, super atitude, mana! — Cida encurvou os lábios para baixo, olhando para meu cabelo, como se tivesse imaginando. — Se o meu fosse assim, eu ia amar, sério!

— Ridícula essa moda, Cidinha, pelo amor de Deus. — Minha tia finalmente expôs sua opinião, que todos já sabiam. — Eu nunca teria coragem de deixar meu cabelo bagunçado como o seu e ainda achar bonito. — Balançou a cabeça. — E fazer o que você fez? Cortar o cabelo no toco? Eu, hein, que coisa de maluca! Me deixe aqui com minha chapinha mesmo que ótimo!

Cida respirou fundo, fazendo o biquinho de quando está irritada, mas está fazendo das tripas o coração para se controlar. Fomos ensinadas a respeitar os mais velhos, então, ela sabia que não poderia dizer à minha tia o que estava pensando.

Queria ver até onde iria a maturidade.

— Tia, essa coisa de bagunçado — fez as aspas no ar —, é o que nos ensinaram desde a infância. Uma cultura que, por exemplo, no seu ofício de cabeleireira você aprendeu. — Ela deslizou os dedos no ar como se fosse um letreiro. — Cabelo bonito é cabelo liso, esticado, perfeitinho. Vocês precisam parar com esses conceitos, gente, existe beleza em ser natural! Deus fez a gente diferente por algum motivo, não acham?

— A outra quer botar até Deus no meio... — meu pai finalmente retrucou, chamando atenção do meu marido.

Ah meu Deus!

Aquilo não ia dar certo.

Aquilo não ia dar certo

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⏰ Última atualização: Aug 26, 2020 ⏰

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