2 - respiração

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O cheiro da cera em início de derretimento chegou até cá fora. Chegou a voz da minha vó também. Eu queria que nada interrompesse aquela nossa escuridão.
Às vezes é bom estarmos num escuridão sozinha, de gruta e conforto, como se o nosso mundo, por alguns instantes, pudesse ser assim - sem tom de cor nem distração de forma.
É bom dividir uma escuridão com outra pessoa, em concha e aconchego, como se dois mundos, nessas horas de negrume, fossem um só.

- Achas que o coração das pessoas é pequeno?
- Sim. Pequenino mesmo.

Os olhos habituam-se ao escuro. O silêncio fica muito nítido na ausência de luz.
Na contraluz de um luar minguante, podia ver os contornos grossos dos lábios dele, o queixo imitar falésias, e dois brilhos apagados no lugar dos brilhos que um dia foram os olhos dela. Nesse silêncio, eu de olhos quase fechado escutava o respirar dele.
Pulmão vai, pulmão vem...
Era uma onda cega, numa praia distante, uma onda comprida de subir areias e espantar caranguejos, de penetrar num chão de algas e colher conchas pequeninas

Pulmar vai, pulmar vem...

Naquela respiração, eu sabia, havia um pensamento pendurado. Não fiz nenhum ruído para não sacudir esse pensamento. Mas , de tudo isso - e ainda as pernas baloiçando em desenho de abano -, eu tinha só carência da mão dela , perto, parada numa qualquer sugestão mesmo de impossível.
Quase não falei o que a minha boca acabou por murmurar:

- Dá me só um beijo... - pedi
- Não posso... - os dentes dele riram na escuridão
- Porquê?
- Porque não tenho vontade.

Uma escuridão bonita  [concluida]On viuen les histories. Descobreix ara