Ao amanhecer

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Na manhã seguinte, a nevasca havia passado e, quando Bernau voltou para casa, três horas depois de sair, o Sol já pairava no horizonte, refletido pelo tapete branco e gelado que se espalhava por toda a colina. As três carruagens venceram a dificuldade da subida e pararam próximas ao portão de entrada.

Bernau foi o primeiro a desembarcar, pedindo pela milésima vez para que os soldados e investigadores do exército real se apressassem. Mais de dez homens o seguiram através do portão de entrada e em direção à Casa das Aparições.

-Ela apareceu bem aqui, bem aqui, como um fantasma – ele explicou a um dos investigadores, tremendo sem parar. A noite em claro, somada ao estresse vivido na última madrugada e à exaustiva e congelante caminhada colina abaixo, em direção à cidade, haviam transformado Bernau em uma pilha de nervos irrequieta e instável que não conseguia pensar em nada além do paradeiro da filha. – Depois ela veio caminhando devagar até esta porta e eu achei que estivesse seguro, mas ela simplesmente atravessou o vidro!

Bernau destrancou as portas duplas que davam acesso ao imóvel, enquanto os soldados olhavam ao redor, atentos a qualquer sinal de perigo, ao passo que os investigadores tomavam anotações. Ele entrou na casa e continuou inundando os policiais de explicações. Suas provas por corrigir continuavam sobre a mesa de centro da sala, em frente à lareira apagada.

Ele levou os policiais até a cozinha a fim de se posicionar onde a mulher lumini o atacara e, ao abrir a gaveta para puxar uma faca, encontrou a mesma da noite anterior, que havia usado para se defender. A última vez que ele lembrava de ter visto o objeto foi quando a mulher o lançou para o canto da sala, então como é que a faca havia parado ali outra vez?

-Prossiga senhor Bernau, por favor – pediu o investigador, depois que Bernau passou longos segundos encarando a faca.

-Sim, claro – concordou ele, deixando a cozinha e caminhando em direção à escada. – Depois de me atacar ela subiu correndo e...

Ele parou quando pisou o primeiro degrau e se virou repentinamente para trás, lembrando-se do vômito que deveria estar por ali, mas que, por alguma razão, também desaparecera. De cenho franzido e sem dizer nada aos policiais, ele ajoelhou e fungou junto ao chão, sentindo cheiro de lavanda.

-Algo errado, senhor Bernau? – indagou o investigador.

-Não, é que... Esqueça, vamos ao andar de cima – falou ele, subindo a escada. Ao chegar ao corredor que conduzia ao quarto de Frida, um arrepio subiu pela espinha, fazendo-o se recordar da cena traumática que presenciara na noite anterior: o sangue no berço, a mulher nua, sua filha...

Um choro alto ecoou pelo corredor e Bernau chegou a estremecer, virando-se para os soldados e investigadores, que se entreolhavam confusos.

Bernau se aproximou lentamente do quarto de Frida e o choro foi ficando mais alto em seus ouvidos, um choro que ele conhecia, mas que não deveria estar ali. Ele entrou no quarto e congelou junto ao berço, os olhos arregalados como se estivessem diante de um delírio. Os demais presentes se amontoaram ao redor do pequeno leito e abaixaram os pescoços para encarar o que havia dentro.

-Pode me explicar o que está acontecendo, senhor Bernau? – indagou o investigador, com um tom de impaciência em sua voz.

-E-eu, não entendo – gaguejou Bernau, piscando os olhos repetidas vezes para garantir que a pequena Frida, que chorava sem parar em meio aos cobertores, estava realmente ali.

-Ela parece bem para mim – falou um dos soldados, remexendo as mantas e avaliando a criança. – Mas precisa trocar essas fraudas de pano e deve estar com fome, afinal, ficou sozinha durante esse tempo todo.

Todos os olhares recaíram sobre Bernau, que recuou boquiaberto. Que porcaria era aquela? O que estava acontecendo? Como Frida estava ali?

-O senhor tinha mencionado sangue no chão, mas esse ambiente me parece perfeitamente limpo – falou o investigador, dando um passo na direção de Bernau. – Por acaso isso é alguma piada?

-Não! – gritou Bernau, cerrando os punhos com força. – Ela estava aqui! Ela estava com a minha filha! Ela fugiu com a minha filha!

-Não é o que parece – disse o investigador, sacudindo a cabeça. – Na verdade, o senhor pareceu bem convincente quando nos contou toda a sua história na cidade, mas agora começo a me sentir um pouco idiota por ter atendido ao chamado de um homem que disse ter visto assombrações durante a noite. Talvez eu e todos os guardas aqui comigo tenhamos sido ingênuos, mas isso não diminui a irritação de saber que viemos até aqui por nada.

-Você por acaso acha que eu estou mentindo? – perguntou Bernau, a voz saindo como um rosnado por entre os dentes. – Eu sei o que vi! Eu sei o que passei!

-Peço que o senhor trate da sua filha e nos acompanhe de volta à cidade – prosseguiu o investigador. – Creio que um médico precisa examiná-lo.

-Está me chamando de louco? – vociferou Bernau, avançando contra o investigador e o puxando pelas alças do colete, mas os soldados em volta intercederam imediatamente, torcendo os braços de Bernau e imobilizando-o com violência. – Eu não estou louco! – ele continuou gritando, com o rosto pressionado junto ao chão, enquanto o soldado sobre ele pedia por algemas. – Eu sei o que eu vi! Tinham fantasmas aqui! Assombrações! Eu não estou louco!

A Casa das Aparições (Uma história do mundo de Elif)Where stories live. Discover now