Atrás das grades

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Bernau dormia um sono instável, repleto de pesadelos, e acordou sobressaltado com a voz desesperada de Arlina.

-A minha filha! Onde está a minha filha? – perguntava a mulher, do lado de fora da cela, a dez metros de onde ele estava. Ela havia acabado de entrar pela porta dos fundos da delegacia, que Bernau conseguia enxergar de relance a partir de sua cela, a qual ocupava o lado esquerdo do ambiente. Ele era o único preso do dia.

O sargento responsável pelo local atendeu Arlina, pediu que ela esperasse e saiu pelo corredor que levava às demais áreas do prédio. Assim que o militar se afastou, Bernau correu até as grades e chamou por Arlina, que se aproximou dele com um olhar raivoso.

-O que foi que você fez? – ela perguntou, em tom inquisitório.

-Você estava certa Arlina, estava totalmente certa – disse Bernau, com a voz trêmula. – A Casa das Aparições, os fantasmas – ele conteve o choro. – Eu vi tudo, tudo! Foi horrível, aquela mulher...

Lágrimas escaparam pelos olhos de Bernau, mas Arlina nada disse, pois o sargento retornou com Frida em seu colo. A menina cochilava e a mãe correu para tomá-la em seus braços, pousando a cabeça sobre ela em um gesto de alívio.

Bernau permaneceu junto às grades, observando a cena. O militar parecia prestes a dizer alguma coisa, mas uma nova pessoa entrou na delegacia.

-Finalmente o senhor chegou – falou o sargento, cumprimentando um homem que Bernau reconheceu imediatamente como sendo o juiz que lhe dera a guarda de Frida no dia anterior. – O palhaço ali vai ser condenado pelo crime de falso alarme e tentativa de agressão a um membro do exército – prosseguiu o homem, apontando para Bernau. – Mas acho que ele não está com as faculdades mentais em dia e eu não tenho autoridade para decidir se ele pode continuar com a criança.

-É a minha filha! – exclamou Bernau, segurando as barras verticais da cela e sentindo o coração acelerar. – Eu tenho a guarda dela!

O juiz o encarou com um misto de surpresa e desprezo, então falou para o sargento:

-Qual vai ser a pena dele?

-Eu estou convencido de que ele pirou de vez, já tem um histórico de internação no passado e parece ter tido uma recaída, fez três carruagens subirem a colina porque disse ter visto fantasmas.

-Eu vi! Eles estavam lá, eu juro! – falou Bernau, em uma tentativa desesperada de que lhe dessem atenção.

-Viu só – comentou o sargento e o juiz reagiu com um muxoxo.

-Bem, a guarda da criança vai ser transferida para a mãe – disse o magistrado e as palavras atingiram Bernau como punhais. – Ao menos até que ele se recupere.

-Eu não preciso me recuperar de nada! – protestou Bernau. – Eu estou bem, eu estou são, mas foi aquela casa, aquela mulher – as palavras saíam confusas de sua boca, como manifestações aleatórias de seus pensamentos caóticos.

-Está decidido – disse o juiz e Arlina abraçou Frida com força, olhando com pena para Bernau.

-Não está decidido merda nenhuma! – ele protestou, desferindo um chute contra as grades.

-Guardas! – chamou o sargento, com um berro. – Ele precisa de um sedativo.

-Ela é minha filha e eu fiz de tudo para protegê-la daqueles desgraçados! – ele gritou. Frida despertou e começou a chorar no colo de Arlina. – Eu não vou abrir mão da minha filha!

Quando um trio de soldados adentrou o recinto, foram direto até a cela de Bernau, que continuava xingando e chutando as barras de ferro. Assim que a porta se abriu, um dos guardas atingiu-lhe com um soco no estômago, fazendo-o perder o ar e cair de joelhos, enquanto os outros dois seguraram seus braços e pernas. Em seguida, o primeiro soldado preparou uma seringa e introduziu-a à força no pescoço de Bernau, injetando um líquido esverdeado em suas veias.

Em poucos segundos, os movimentos violentos de Bernau diminuíram, até pararem. Ele permanecia consciente, mas incapaz de falar ou se mover. Queria gritar, queria pedir ao menos um último abraço em Frida, mas não conseguia fazê-lo.

-Me desculpe por fazê-los presenciar isso – disse o sargento, para Arlina e para o juiz. – Ele vai dormir em alguns minutos.

Os guardas deixaram Bernau deitado no chão e trancaram a cela novamente, sumindo de sua vista.

-Agora se me dá licença, senhorita Arlina, preciso que o senhor juiz preencha alguns papéis – a voz do sargento chegou aos ouvidos de Bernau, que se esforçava para erguer o pescoço e conseguir enxergar de relance os falantes.

-Claro – concordou Arlina. – Posso ao menos me despedir, a Frida gostaria de dar tchau para o pai.

-Certo, fique à vontade – permitiu o sargento e começou a falar com o juiz.

Bernau ouviu os passos de Arlina se aproximarem e, em seguida, enxergou o rosto da mulher se aproximar das grades. Ela olhou sobre os ombros como se procurasse confirmar a distância que estava dos demais, então sorriu para Bernau.

-Eu disse que você jamais ficaria com a minha filha – ela sussurrou e Bernau arregalou os olhos. – Meus amigos do teatro me ajudaram a contratar aqueles atores lumini, eles vão ficar muito contentes ao descobrirem que a ajuda foi útil. E espero que tenha gostado da maquiagem, fazia tempo que eu não criava algo como aquilo, mas acho que nunca perdi o jeito.

Bernau mirou a ex-esposa com incredulidade, depois com ódio. Ele sentiu impulsos violentos e revoltados queimarem dentro de si, sufocados pela desesperadora sensação de não conseguir se mover.

-Eu já havia estudado bastante sobre guarda de crianças, sabia que não tinha chances de vencer, então já tinha um plano 'B' em mente – prosseguiu Arlina. – Eu fiquei à espreita, assistindo tudo. Quando você saiu, arrumamos a casa em um instante.

Bernau lutou com todas as forças para se levantar e agarrar Arlina pelo pescoço, mas o corpo não deu nenhum sinal de que o obedeceria.

-E não se preocupe com a Frida, eu coloquei um calmante bem forte na mamadeira dela quando estávamos no tribunal ontem. Tive medo de ter exagerado, mas eu precisava arriscar, era pelo bem dela. Já imaginou uma infância toda longe da mãe e naquela casa assustadora.

Bernau sentiu os músculos do pescoço se contraírem até o limite e apertou os dentes com raiva, fuzilando Arlina com olhos lacrimejantes.

-Poderíamos ter resolvido isso amigavelmente, se você tivesse me deixado ficar com a Frida, mas você me obrigou a chegar até esse extremo. Acha que alguém vai acreditar se você disser alguma coisa? – indagou ela, com um sorriso maldoso. – Eu prometo fazer visitas regulares no manicômio, de vez em quando até vou levar a Frida. E se você fizer questão, posso levar também a amiga que você conheceu – concluiu Arlina, com uma piscadela, enquanto Bernau começava a chorar. – Até outra hora – ela se despediu, acenando para ele com os dedos.

Fim

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A Casa das Aparições (Uma história do mundo de Elif)Onde histórias criam vida. Descubra agora