A Raposa e o Lobo - Capítulo I - A proposta

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Estavam as crianças brincando entre si, no pátio de suas casas. Todas descalças com suas roupas bem desgastadas, apenas uma delas vestia um suspensório, sem cor definida, devido ao tempo que a mesma havia sido usada, alguns poderiam arriscar que era da cor de mel. Belgard, a criança que usava suspensório, era uma das mais animadas. As outras, vez por outra, paravam um pouco a brincadeira para procurar algo perdido no chão. Belgard não. Sempre estava a brincar, independente do que acontecesse. Ele sabia que viver naquela parte da cidade tinha suas vantagens. Ser menos apegado a coisas materiais era uma delas, não por isso hesitava em sujar sua roupa, mas sim porque era a única que tinha.

As crianças começaram a ouvir, ao longe, o som de tambores, depois flautas e violas que emitiam seus sons alegremente. Foi aí que perceberam que o som estava chegando cada vez mais próximo. Uma das crianças disse:

- Vejam! Várias pessoas estão indo à rua principal para ver o desfile. Vamos ver também?

Todas concordaram e foram bastante eufóricas correndo pela ruela até chegarem à multidão. Belgard, porém estava faminto, há dias não comia nada de descente, assim como sua família. Muitas pessoas estavam aplaudindo e gritando em aprovação ao desfile que estava acontecendo naquele momento. As crianças ficaram tristes em não poder ver os artistas e nem toda aquela festa toda, pois o Desfile de Equinócio de Primavera era uma festividade regrada a muita comida e bebida. Belgard lamentou, pela segunda vez, não poder comer nada, pois ali havia muita fartura.

As crianças, frustradas por não puderam ver o desfile, voltaram ao pátio para continuarem a brincar, mas uma delas ficara ainda na multidão: Belgard. Com esperança de poder comer, nem que seja um pedaço de pão que caia de um dos nobres que desfilava e comera ao mesmo tempo, porém isso não aconteceu. As pessoas foram se dispersando ao final do desfile. Mas o garoto persistia ali, não desistindo do que parecia algo tão simples para cada um que estivera aplaudindo o desfile, no entanto não sobrara ninguém. Todos haviam se dispersado ou ido acompanhar a passagem do desfile mais à frente. Belgard ficou triste, a ponto de uma lágrima rolar o seu rosto sujo, mas não porque não gostava de se lavar e sim por não poder fazê-lo.

Foi então que um senhor, que se vestia com um manto de cor alaranjado, viu a pobre criança sozinha, triste e de cabeça baixa. Chegou próximo a ela e disse:

- Por que choras, meu jovem?

- Nada, senhor. – disse Belgard, enxugando as lágrimas. – Apenas caiu um cisco no meu olho.

- Consigo ver a falta de veracidade nas palavras dos mais velhos, quiçá de uma criança.

- Está bem. Na verdade, não tenho o que comer há dias, nem minha família. Achei tão bonito o desfile que vim vê-lo de perto. Não deixei de notar a quantidade de comida que havia também. Fiquei com mais fome ainda, mas ninguém se importou comigo ou com qualquer um de meus amigos, estavam todos admirando o belo desfile.

- Bem, eu me importei. Por isso vim aqui falar com você. Creio que seja um bom menino e que não crie confusões na rua? – perguntou o velho olhando para o menino com um ar duvidoso.

- Não, senhor. Todos os dias ajudo ao meu pai a carregar peles de animais. Ele os vende na praça dos mercadores, mas não temos barraca. Ele perambula pelas ruas de lá com as peles em seus ombros. Algumas vezes, os homens de armadura recolhem o que ele está vendendo porque dizem que ele não possui documentos para isso.

- Então ele volta para casa sem as peles e sem o dinheiro delas. – Completou o velho.

- Sim. Infelizmente. Nós, que não temos moedas, estamos sempre dependendo daquelas que as possuem. Muitas das vezes eles não se importam conosco.

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