Capítulo XXV - Entra em Cena o Príncipe Encantado

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— Estou ponderando sobre pretensões de sair ou ficar em casa – disse Anne, fitando os distantes pinheiros do parque por uma das janelas de Patty's Place. — Tenho uma tarde inteira disponível para o delicioso prazer de fazer nada, tia Jimsie. Devo passá-la aqui, onde há uma lareira acolhedora, um prato cheio de maçãs, três gatos ronronantes e harmoniosos, e dois impecáveis cães de porcelana de nariz verde? Ou devo ir ao parque, onde existe a atração dos arvoredos cinzentos e da água prateada batendo sobre as rochas do porto?

— Se eu fosse jovem como você, decidiria a favor do parque – respondeu tia Jamesina, cutucando a orelha amarela de Joseph com a agulha de tricô.

— Pensei que a senhora alegasse ser tão jovem quanto qualquer uma de nós, titia – provocou Anne.

— Sim, de espírito. Mas vou admitir que minhas pernas não são jovens como as de vocês. Vá e tome um pouco de ar fresco, Anne. Você tem estado um pouco pálida ultimamente.

— Acho que seguirei seu conselho – concordou, inquieta. — Não estou com ânimo para os dóceis prazeres domésticos hoje. Quero sentir-me sozinha, livre e indomável. O parque estará vazio, pois todos foram à partida de futebol.

— Ora, e por que você não foi?

— "'Ninguém me convidou, senhor', ela disse". Bem, ninguém além daquele detestável Dan Ranger. É claro que eu não iria a lugar algum com ele, mas para não ferir seus pobres sentimentos, aleguei que não queria assistir à partida. Eu não me importo. De qualquer modo, não estou com ânimo para futebol hoje.

— Saia e tome um pouco de ar fresco – repetiu tia Jamesina –, mas leve o guarda-chuva, pois creio que vai chover. Estou atacada do reumatismo na minha perna.

— Somente as pessoas idosas deveriam ter reumatismo, tia.

— Qualquer um pode ter reumatismo nas pernas, Anne. Porém, só os idosos sofrem de reumatismo no espírito. Graças a Deus, esse eu nunca tive! Quando você tiver reumatismo no espírito, é melhor que saia para escolher seu ataúde.

Era novembro – mês dos crepúsculos cor de carmesim, da despedida dos pássaros, dos tristes e profundos hinos do mar, das canções apaixonadas do vento entre os pinheiros. Anne vagueou pelas alamedas margeadas de pinheiros no parque e, como havia dito, deixou que os impetuosos ventos varressem a neblina de sua alma. Ela não estava habituada a se preocupar com neblinas na alma. Mas, de alguma maneira, desde que retornara a Redmond para o terceiro ano, a vida não havia refletido em seu espírito aquela clareza antiga, perfeita e cintilante.

Externamente, a vida em Patty's Place seguia o mesmo ciclo de trabalho, estudo e recreação, como sempre fora. Nas noites de sexta-feira, a sala ampla e iluminada pela lareira ficava repleta de visitantes, e nela ecoavam as risadas e gracejos, enquanto tia Jamesina sorria radiante para todos eles. O tal Jonas das cartas de Phil as visitava com frequência, chegando de St. Columbia no primeiro trem e partindo no último. Era o favorito de todas em Patty's Place, apesar de tia Jamesina balançar a cabeça afirmando que os estudantes de Teologia não eram mais como antes.

— Ele é agradável demais, minha querida – disse a tia à Phil –, mas os pastores deviam ser mais sérios e dignos.

— Um homem não pode rir e brincar, e ainda ser um cristão? – questionou Phil.

— Oh, os homens podem, sim. Mas eu estava falando de pastores, minha querida – explicou, com ar de censura. — E você não deveria flertar desse jeito com o Mr. Blake... realmente não deveria.

— Não estou flertando com ele – protestou.

Ninguém acreditava nela, exceto Anne. As outras pensavam que Phil só estava se divertindo às custas do rapaz, como costumava fazer, e afirmavam categoricamente que ela estava agindo muito mal.

Anne da Ilha | Série Anne de Green Gables III (1915)Where stories live. Discover now