Capítulo XXVIII - Uma Tarde de Junho

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— Pergunto-me como seria viver num mundo onde fosse sempre junho – disse Anne, ao subir pelos degraus da porta da frente, vindo do fragrante e florescido pomar envolto no crepúsculo. Marilla e Mrs. Lynde estavam sentadas ali, conversando sobre o funeral de Mrs. Samson Coates, que tinham assistido naquele dia. Dora, sentada entre elas, estudava diligentemente suas lições; mas Davy estava sentado de pernas cruzadas no gramado, aparentando estar triste e deprimido, como se sua única covinha o tivesse abandonado.

— Você ficaria cansada desse mundo – comentou Marilla, com um suspiro.

— Ouso dizer que sim. Mas, neste momento, sinto que levaria muito tempo para me cansar dele, se tudo fosse tão encantador quanto o dia de hoje. Tudo à nossa volta ama o mês de junho. Menino-Davy, por que você está com essa carinha melancólica típica de novembro nesta época de flores?

— Estou apenas enjoado e cansado de viver – respondeu o pequeno pessimista.

— Com dez anos? Puxa vida, que tristeza!

— Não estou de brincadeira – redarguiu Davy, demonstrando dignidade. — Estou de-de-desanimado – prosseguiu, soltando a comprida palavra com grande esforço.

— Por que e para quê? – perguntou Anne, sentando-se ao lado do garoto.

— Porque a nova professora que chegou para substituir o Mr. Holmes, que ficou doente, me deu dez somas para fazer até segunda-feira. Amanhã vou levar o dia inteiro para fazer isso! Não é justo ter que fazer dever de casa aos sábados. Milty Boulter falou que não ia fazer nada, mas Marilla disse que eu sou obrigado a fazer. Não gosto nem um pouco da Miss Carson.

— Não fale assim de sua professora, Davy Keith! – ralhou Mrs. Lynde, com severidade. — Miss Carson é uma moça muito agradável. Não tem a cabeça cheia de tolices.

— Isso não parece muito atrativo – sorriu Anne. — Gosto que as pessoas tenham um pouco de tolices. Mas estou inclinada a ter uma opinião melhor de Miss Carson do que você. Eu a vi na reunião de oração ontem à noite e ela tem um par de olhos que não são sempre tão sensatos. Agora, menino-Davy, tenha ânimo! O amanhã trará um novo dia e eu o ajudarei com as somas, tanto quanto for possível. Não escureça esta adorável luz do crepúsculo preocupando-se com Aritmética.

— Bom, então tá! – exclamou Davy, animando-se. — Se você me ajudar com as somas, vou conseguir terminar tudo a tempo de ir pescar com Milty. Que pena que o funeral da velha tia Atossa tenha sido hoje, em vez de amanhã! Eu teria gostado de ir, porque Milty contou que a mãe dele garantiu que a tia Atossa ia se sentar no caixão e falar coisas sarcásticas sobre as pessoas que aparecessem para vê-la ser enterrada. Mas Marilla falou que ela não fez nada disso.

— A pobre Atossa jazia em paz em seu ataúde – disse Mrs. Lynde, de forma solene. — Nunca a vi com o semblante tão tranquilo, isto é que é. Bem, não foram derramadas muitas lágrimas por sua partida, pobre alma! A família de Elisha Wright estava agradecida por se livrar dela, e não posso dizer que os culpo nem um pouquinho.

— Parece-me uma coisa terrível deixar este mundo e não ter uma única pessoa lamentando sua partida – comentou Anne, estremecendo.

— Com exceção dos pais, ninguém amou a pobre Atossa, nem mesmo o marido! Isto é certo! – afirmou Mrs. Lynde. — Ela foi a quarta esposa dele. Era como se o homem tivesse o hábito de se casar. Viveu só uns poucos anos após desposá-la. O doutor disse que ele morreu de dispepsia, mas sempre pensarei que ele morreu envenenado pela língua de Atossa, isto é que é. Pobre alma, sempre sabia detalhes da vida dos vizinhos, mas nunca conheceu muito bem a si mesma. Bem, de qualquer maneira, agora ela se foi, e eu presumo que o próximo grande acontecimento será o casamento de Diana.

Anne da Ilha | Série Anne de Green Gables III (1915)Where stories live. Discover now