Parte 2

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Anar, escondido alguns andares acima, olhava através de uma grande janela de vidro o sobrinho que passava o tempo tranquilamente com sua filha e sua esposa no jardim. Anar sabia ser um homem orgulhoso, e ver como esfregavam em seu rosto todos os dias que havia julgado errado era mortificante, sendo o que o fazia sofrer em demasia era o afastamento que Laurea vinha impondo entre eles.

O que motivara esse comportamento fora tudo que sucedeu a maldita noite em que ela veio lhe pedir ajuda ao relatar que a humana havia sido sequestrada. Anar ainda lembrava do medo nos olhos dela e da apreensão em cada palavra. E a única coisa que Anar havia feito fora dizer que Maria devia ter sumido por vontade própria.

Desde aquela noite a amizade tranquila que muitas vezes era a única coisa que confortava seu coração tornou-se em gestos distantes e puramente necessários.

Anar por muito tempo contentou-se em apenas estar ao lado dela, mas naquele momento percebia que só havia feito perder inúmeras oportunidades.

Caelor não estava mais ali, e sempre fora ele que estivera entre os dois. Anar percebera que por um respeito bobo perdera a oportunidade de estar realmente ao lado da mulher que amara por toda a sua vida.

Mesmo distraído com a cena que se desenrolava no jardim, o elfo pode ouvir o rangido da porta sendo aberta e contra todas as possibilidades ele soube com cada fibra de seu corpo quem ali entrava.

Sempre fora assim, ele sempre sabia quando ela estava. Seu corpo logo percebia que Laurea estava perto, como tão logo percebia quando ela se afastava. E aquela consciência era uma das coisas mais preciosas que ele cultivava.

Ele sabia que assim que percebesse sua presença Laurea se retiraria deixando-o novamente sozinho, por isso ele logo comentou prendendo-a ali e obrigando-a a respondê-lo por educação:

— Eles estão realmente felizes! Não estão?

Ele ouviu o farfalhar do vestido e o suspiro de quem se resignava a respondê-lo:

— Sim, estão! Apesar de todos os contratempos.

A voz dela chegou a Anar fazendo-o estremecer internamente. Aquela voz era como uma suave carícia que o atingia bem fundo de seu peito.

— E você? — Anar indagou virando-se para ela.

Laurea, sem entender o que ouvia perguntou:

— Eu o quê?

— Está feliz?

A elfa o ouviu e sacudiu a cabeça em pesar. Acreditava já ter passado seu tempo de ser feliz. Sua felicidade estava em ver seus filhos felizes e aquilo bastava. Até lembranças que cultivava em seu peito com ternura haviam sido manchadas pelas verdades recentemente descobertas.

Anar percebeu que ela não responderia aquela pergunta então falou:

— Está na hora de começar a pensar em si mesma.

— Já passei desse tempo, Anar! Só quero que a paz permaneça para nosso povo e meus netos possam crescer em um lugar tranquilo e feliz.

— Me entristece ouvi-la falar assim — Anar ponderou aproximando-se dela vendo que logo Laurea retrocedia. — Laurea, por favor! — ele pediu sabendo que ela entenderia. — Em nome da amizade que cultivamos desde a infância não me trate mais dessa forma.

Laurea afagou o peito tentando acalmar as emoções que começavam a tumultuá-la. Anar mostrava-se angustiado pedindo por sua atenção, e vendo-o olhá-la tão intensamente fê-la lembrar da jovem elfa que fora um dia, obrigada a escolher pelo que todos esperavam, inclusive ela. Tanto que não fora possível convencer a si mesma de que sua vida pudesse ser diferente.

Contos de "Além do Bosque"Where stories live. Discover now