Alone

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Olivia

O expediente do café estava fechando, eu me encaminhei para o banheiro dos funcionários e comecei a me arrumar para ir para a universidade.

– E aí, como foi com a morena? – Sophia já chegou me chamando a atenção.

Eu estava tão distraída que só fui me tocar que ela falava da mulher que deixou um bilhete para mim segundos depois.

– Ah, nada demais. Só agradeci pela gentileza. Difícil encontrar pessoas assim hoje em dia.

Guardei meu avental e tirei a rede dos meus cabelos, juntando tudo e deixando no meu armário.

– Conseguiu o número dela? – Ela questionou sorrindo.

– Que? Como eu poderia pedir o número dela? – Eu indaguei ficando vermelha sem saber porquê.

– Ué, pra se falarem melhor né? Quem sabe até marcarem algo para se encontrar e se conhecer melhor.

– Com que cara eu iria pedir isso? – Balancei a cabeça em negativa enquanto ria nervoso.

– Por que, que só a possibilidade de falar mais dela te deixa tão sem jeito? – Ela arqueou a sobrancelha, me olhando.

– Sei lá… Eu sou muito boba, me emociono por pouca coisa. - Tentei desconversar.

– Convenhamos que ela é tudo menos pouca coisa… – Ela falou e eu corei só em trazê-la a memória.

– Desculpa me intrometer e sem querer ofender, claro, mas você é lésbica? – Ela me perguntou.

– Sim, sou. – Afirmei. – Mas ela parece totalmente inacessível… O que eu tenho por ela no momento é só gratidão.

– Será? – Ela voltou a me questionar enquanto saímos do café.

Me cobri com meu sobretudo além do casaco que eu já usava por baixo, coloquei um gorro na cabeça, calcei minhas luvas de lã branca e deixei essa questão em aberto.

Eu tinha certo receio de sair falando da minha orientação sexual, porque afinal vivemos num mundo moderno com mentes retrógradas e arcaicas. Parece que atualmente o mundo vive uma grande névoa de ultraconservadorismo, onde ser conservador é alguma coisa boa.

Nunca ser preconceituoso vai ser uma coisa boa. Não era todo mundo que aceitava e compreendia isso, por isso que eu não era totalmente assumida. Claro que para as pessoas com as quais eu me importava eu já tinha explanado isso, como minha mãe e minha irmã. E nenhuma delas se opôs a isso, só ficaram receosas de como o mundo – as pessoas de fora – veriam isso.

Mas o resto? Não achava que devia nada para eles. Eu preferia manter isso comigo.

As palavras tocam, a partir do momento que saem da mente das pessoas e são expressas e reproduzidas no papel ou num meio digital, como é tão comumente hoje em dia.

Eu tinha tanta dificuldade na comunicação no meu dia a dia, mas compensava ali, na escrita, nas palavras.

Eu sempre fui muito tímida, muito retraída, muito na minha, super reservada. Fui taxada de arrogante, superior e por aí vai. Eu não via como tentar ser outra coisa que não aquela.

Eu não sabia o que dizer e portanto ficava calada. Antes mesmo de começar a ler, eu via os livros da minha mãe, abria-os e tentava decifrar o que tinha escrito e ficava pensando quando é que eu poderia lê-lo.

Ler foi uma conquista, mas escrever foi algo que precisei trabalhar muito. Mantive e ainda tenho o hábito de escrever diário. Além de terapêutico, fazer você se vê ali, de fato amadurecendo diante de si, é muito estimulante. Tira da sua cabeça a ideia pessimista de que você está parado e que nada acontece, sendo que nesse mesmo instante você está em completa transformação.

É um ótimo exercício pra sua mente e para você ter uma noção do que quer colocar no papel quando vai escrever. Você não coloca tudo, somente os fatos que mais marcaram, os mais importantes e detalha eles, para deixá-lo mais aprofundado e não ser taxada de superficial depois.

Então as palavras para mim são construções de pensamentos, de sentimentos traduzidos. Nelas você põe seus princípios, suas vontades e até mesmo seus preconceitos.

Minha mãe e minha irmã mantinham o hábito de escrever para mim em cartas desde que fui embora.

"Minha adorada filha, a casa anda tão vazia sem você aqui. Sinto tanto a sua falta. Por que mesmo teve que ir?

Éramos eu, você e Luna contra o mundo, lembra? Ainda pode ser assim, ainda é assim, penso. Não ter você perto de mim tem sido um sofrimento diário, nunca pensei que fosse ter que passar por isso.

Mas não quero encher essas linhas de amargura e tristezas de minha parte, porque sei o que quer fazer indo pra Amsterdam. Não vou tornar sua missão aí ainda mais sofrida por causa do meu egoísmo.

Conto os dias para suas férias chegarem e você pode vir. Saudades de cuidar de você, minha filha. De mima-la, de cheira-la, de abraça-la.

Te amo muito e te guardo no coração,

Sua mãe."

Palavras tocam não? E lendo aquela carta, eu me sentia repleta de sentimentos. Antes mesmo de terminar de lê-la, as lágrimas já nasciam e corriam pelo meu rosto. Quentes, elas tinham uma carga tão pesada que pareciam que deixavam rastros no meu rosto, por onde passavam.

Chorei muito e o velho sentimento de solidão me abateu. Mesmo tendo minha mãe e minha irmã quando estava na Escócia, eu sentia solidão, mas agora, eu não tinha a quem recorrer, a quem abraçar.

Sem opções de obter calor humano, chorei e abracei meu travesseiro. As lágrimas corriam e caíam, molhando o livro de teoria literária que eu lia.

Puxei minha carteira de dentro da minha bolsa e peguei o guardanapo com o bilhetinho que aquela mulher tinha me dado.

Coloquei o livro debaixo do travesseiro e deitei minha cabeça novamente no travesseiro. Quando eu era criança, um dos métodos para decorar os assuntos era colocar o livro aberto debaixo do travesseiro. Era tiro e queda. Osmose, meus amigos. Você sonhava com o que tinha no livro.

Acabei dormindo em meio aos livros e debruçada sobre aquele bilhete.

The Wreath of RosesOnde histórias criam vida. Descubra agora